Faz tempo, muito tempo, que a palavra “espetacular” não é proferida por mim ao final de uma refeição– seja porque a carne estivesse passada demais, o risoto aguado ou o empanado molenga, a verdade é que é muito difícil TUDO vir perfeito, aromático, saboroso, resultando em ruídos guturais. Ontem, enfim, eu proferi a palavra “espetacular” ao final do meu jantar. E foi no novo Epice.
Aberto há pouco mais de dois meses, o pequeno e escurinho Epice poderia ser mais um restaurante moderninho/intimista/pretensioso de São Paulo. Ou seja, um porre. Mas é oposto disso. O mérito é todo do chef, Alberto Landgraf. Depois de ocupar o cargo de gerente gastronômico da Cia. Tradicional de Comércio (especificamente do Astor e do SubAstor), Landgraf foi para Europa, onde trabalhou em grandes casas em Paris e Londres. De volta a São Paulo, abriu o Epice.
A trajetória pode nem ser tão longa assim, mas a cozinha de Landgraf é um primor. Primor que permeia a concepção do prato, a execução e a apresentação para o cliente– o caminho completo. Logo dá para perceber que a casa é para quem gosta de comer bem de verdade (aquelas pessoas, como eu, não conseguem evitar usar a palavra “tesão” para descrever comida) e não para aqueles seres pentelhos moradores do mundinho “ver e ser visto”– bem porque, único senão do Epice, o salão é tão escuro que até enxergar o menu fica complicado… Tanto que tive que fazer as fotos dos pratos na cozinha.
Voltando: a comida é um tesão e o menu conciso, claro como o dia. Nada de nomes rebuscados e descrições quilométricas– a primeira linha refere-se sempre ao ingrediente principal e, abaixo a descrição. Exemplo: Abóbora; Nhoque de abóbora, abóbora sauté, shimeji, gelatina de parmesão, creme de abóbora e avelãs e Robalo; robalo sauté, farofa de amêndoas, purê de limão, alho poró, cerefólio e molho vierge.
Mas vamos por partes.
Não dispense o couvert, composto por quatro tipos de pães feitos na casa, macios, quentes, acompanhados de flor de sal, azeite e manteiga (R$ 10). Dentre as entrada, recomendo vivamente a charcuterie, também caseira. São quatro tipos feitos, artesanalmente, por dias, com apuro evidente no instante em que você dá a primeira mordida, por exemplo, na delicada terrine de joelho de porco ou nos crocantíssimos pedaços de pé de porco empanados e fritos. Há ainda o peito de pato curado, a rilette de porco, a etérea mousse de foie gras, acompanhados de remoulade de couve-flor e chutney de cebola roxa. E o preço? Bom, outra coisa inacreditável no Epice: as porções são, todas, fartas e os valores dos pratos são absolutamente justos (ouso dizer, baratos). Essa charcuterie (repito, para duas pessoas) custa R$ 30.
Como adoro abóbora, claro que pedi a entrada de abóbora citada lá em cima. Senhor, amado, como um ingrediente tão comum pode se tornar uma iguaria nas mãos certas! Dois nhoques compridos de abóbora, ligeiramente dourados na frigideira, vem acompanhados de pedaços minúsculos e tenros de abóbora sauté e shimeji, cubinhos delicados de parmesão (que salgam e oferecem intensidade) e um aveludado creme de abóbora com avelãs.
Entre as oito opções de pratos principais (que incluem alguns peixes e moluscos, cordeiro, pato e mignon), fui de Robalo. A carne da posta alta do peixe, desmanchava só de olhar e a farofa de amêndoas com forte acento de limão siciliano que o guarnecia enchia a boca com seu sabor refrescante e crocância… (R$ 48). Meu namorado– foi meu jantar de aniversário- optou por um de seus pratos prediletos: barriga de porco.
PELAMORDEDEUS! Feita através de um longo processo que dura cinco dias, o belíssimo pedaço alto e retangular de barriga de porco tem suas camadas de gordura transformadas em um divino creme, a carne rosada e o exterior perfeitamente crocante sem, em momento, tornar-se duro. Adorei a não-obviedade do acompanhamento que, em sua leve doçura, conseguiu dar leveza a composição: grão de bico cozido com chorizo e páprica, finalizado com azeite de chorizo (R$ 38).
E, capítulo à parte, o das sobremesas. Ah, as sobremesas… Para resumir, são resultado de uma mente altamente pensante, sem preguiça de testar e com muita habilidade para brincar com nuances de sabor e texturas. A minha Pera (este é o nome), era na verdade um trio de beldades açucaradas composto por meia pera sauté coberta por farofa de pão de especiarias, sorbet de pera escoltados por duas fatias da fruta, crocantes e finas com papel, e um aeradíssimo mousse de chocolate meio amargo (R$ 15). Apaixonante também o trio de pêssego (compota de pêssego colocada em cima de uma fatia generosa da pain perdu, panacotta de baunilha e sorbet de pêssego, R$ 18).
Olha, vou fazer aniversário mais vezes por ano. Sei lá, umas 25 vezes…
O Epice é, sim, espetacular.
Epice: Rua Haddock Lobo, 1002, Jardins, tel. 3062-0866
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