Depois de muito ouvir falar da fantástica cozinha peruana, do boom da cozinha peruana, da cozinha peruana tomando o cenário da gastronomia mundial, da importância política e social do chef Gastón Acurio no Peru, estava mais do que na hora de conhecer Lima, ao menos. Fui semana passada.
Durante sete dias, me dediquei a revirar os restaurantes da cidade (com dicas de amigos que entendem pacas da cozinha daquele país e muita pesquisa), visitar mercados, conversar com cozinheiros e tomar pisco sour. Comi muito bem em vários lugares – que serão elencados em um próximo post-, mas um me deixou aquela sensação de ter provado o que as mãos de um extremo talento da cozinha pode produzir, me trouxe aquela alegria de ser belamente surpreendida com um prato e me fez ter certeza de que o Central Restaurante é, sim, um dos melhores restaurantes nos quais já tive o prazer de estar.
Comandado pelo jovem, simpático e, de novo, extremamente talentoso chef Virgilio Martinez, de 34 anos, o Central fica escondido em uma rua tranquila do bairro de Miraflores, um dos mais bacanudos de Lima. Seu salão banhado com muita luz natural tem vista privilegiada para a cozinha aberta, na qual cerca de 15 cozinheiros trabalham em ritmo insano porém calmo- tudo parece estar sempre sob controle. Isso se deve ao comando que tem: Virgilio fala baixo, sem pressa, porque sabe que comidas inesquecíveis não são feitas no sopetão. São, isso sim, fruto de muita dedicação, técnica, trabalho, momentos de ódio mas, acima de tudo, serenidade. Virgilio é o novo grande nome da cozinha peruana, sem sombra de dúvida.
Ele é o típico caso de aprendiz que supera o mestre: já trabalhou com Gaston no Astrid Y Gastón de Madrid e Bogotá além de ter passado pelo Canadá, Londres, Singapura, Nova York e Catalunha. Digo que superou porque, no dia anterior, havia almoçado no Astrid Y Gastón e ficado bem impressionada- só que quando comi no Central, percebi que poderia ficar mais, muito mais.
Virgilio faz cozinha peruana de autor. Como ele mesmo me disse, “Quero usar o melhor dos nossos ingredientes mas sem ficar preso a técnicas tradicionais peruanas”. E é isso mesmo que faz: transforma folhas de coca e rocoto (tipo de pimenta peruana) em pães esplendorosos que vem complementar o couvert com manteiga queimada com sal negro; uma simples lula tinge-se lindamente de ají panca e vira algo absolutamente inesquecível. O frescor dos ingredientes,- muitos deles amazônicos e indígenas-, a vivacidade dos peixes, o contraste e complementaridade de aromas e sabores são fantásticos.
O chef só trabalha com vegetais orgânicos provenientes de uma chácara que mantém a 100 quilômetros de Lima. O mais divertido, porém, é saber que todas os brotos, flores e folhas que ornamentam os pratos servidos são colhidas na hora na horta, também orgânica, que mantém no “telhado” do restaurante. Quer mais? A água mineral servida é feita ali também, por um complexo sistema de filtragem- que passa pela horta!- que recolhe água da chuva. Também tem dentro do restaurante uma sala repleta de livros de gastronomia, amostras de temperos, feijões e outros ingredientes peruanos, na qual faz reuniões diárias com sua equipe, os treina e se aprimora. Taí alguém que não tem só papo sobre inovação…
Claro que não poderia deixar de provar o menu degustação de oito etapas – me arrependeria pro resto da vida. Cada prato é uma obra de arte na concepção, na apresentação e no sabor. Complexos e simples. Uma refeição inolvidável.
* Vieiras da baía de Pacas com leche de tigre de cocona (fruta local), quenele de uchucuta de palta naval (molho apimentado) e tartar de vieiras com emulsão de lulas
* Atum confitado servido com emulsão de lima e menta andina e alcaparra crocante, compota de ají limo, queijo de cabra e arrayán (flores de mirtilo)
* Lulas em crosta de ají panca sobre lentilhas com molhos pil pil (feita à partir de bacalhau, azeite e alho) e de azeitonas pretas
* Paiche (pirarucu) com batata nativa ao carvão e purê, salada de chonta (pupunha) em caldo de vôngole e marayhuaca (cogumelo peruano com sabor muito próximo ao do porcini)
* Cachete de cerdo (bocheca de leitão de 3 semanas) com purê de arracache, molho de uva andina e tomate pachacamac
* Pierna de cabro lechal (perna de cabrito de leite) com feijão branco peruano e salada de rúcula orgânica
* Gula Jamun. Inspirado da sobremesa indiana, esse gulab é feito de trigo e taperebá, regado com calda de munã (primo do hortelã) e água de rosas, acompanhado de iogurte caseiro
* Esfera de cacau peruano 50% recheada de mousse de chirimoya sobre tangerinas marinadas em pimenta sechuán, mousse de tangerina com limão e emulsão de canela e maca (tubérculo parecido com ginseng)
Acabou? Não, o primor vai até o fim com a carta de chás e emulsões de ervas feitas no casa. Pedi um oolong aromatizado com camu camu e lúcuma e pensei, tolamente, que viria num saquinho. Sim, o oolong veio. Mas as frutas vieram em purês preparados no restaurante, no dia, para que eu mesma “temperasse” meu chá. Porque um grande restaurante não deixa de impressionar até o fim.
O menu degustação custa U$ 85 por pessoa. E, por favor, tome um pisco sour de pimenta sechuán por mim. Dois, vai…
P.S.: Virgilio está programando a abertura do seu segundo restaurante de comida peruana de autor, desta vez em Londres, para o primeiro semestre deste ano. Chamará Lima.
Central Restaurante: Calle Santa Isabel 376, Miraflores, Lima, Peru, tel.: (511) 242-8515 / (511) 242-8575
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