Há uma década, raras eram as pessoas que incluíam o Peru como destino provável em uma viagem gastronômica. Hoje, Lima e Cusco são mundialmente famosas por seus ingredientes, como os sensacionais peixes e frutos do mar, a incrível variedade de milhos e batatas, as frutas, o pisco e, acima de tudo, pelo ceviche. Não é exagero dizer que o mérito por esse boom foi do trabalho do chef Gastón Acurio, o “embaixador” da comida peruana no planeta.
Proprietário de uma rede de mais de vinte restaurantes (La Mar, Tanta, Panchita, Astrid Y Gastón e Madam Tusan) em onze países – sendo que um deles, o Astrid y Gastón de Lima, ocupa a 42. posição na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo – Gastón se tornou um exemplo de como lutar pela preservação e difusão da própria cultura é algo ao alcance de qualquer um que queira o trabalho. Ele, um cozinheiro, é tratado como celebridade em seu país (um taxista em Lima me disse que Gastón fez o mundo o olhar para o Peru com respeito) e já foi convidado a se candidatar a presidência, algo prontamente recusado.
Lima não é uma cidade cosmopolita, tampouco bonita, apesar de possuir alguns locais agradáveis como a área de Miraflores perto do shopping Larcomar, à beira mar. O que vi pelas ruas foram turistas interessados em uma coisa: comida. Existem menos de dez grandes restaurantes, de nível internacional, mas uma ampla gama de casas com comida excepcional, local, fresca, vibrante. O que mais se encontra são as chifas, endereços geralmente com preços baixos que fazem uma culinária que mescla comida peruana com a chinesa (o número de imigrantes chineses no Peru foi muito, muito maior do que no Brasil). Abaixo, listo os lugares que mais me impressionaram em uma semana de comilança total e irrestrita – o mais incrível deles, o Central, você pode ler neste post AQUI.
1– Astrid Y Gastón
A casa de alta gastronomia peruana de Gastón Acurio é impecável no ambiente, no serviço e na comida. Em vez de vagar pelo cardápio, optei pelo menu-degustação de 12 etapas e quase tive uma experiência de coma-gastronômico! Os pratos novoandinos são bem servidos: são quase quatro horas de refeição. O couvert já mostra cuidado e o primor com os ingredientes: cesta de pães quentes feitos com rocoto, chicha morada, choclo, entre outros, é colocada ao lado de uma deliciosa manteiga e ótimo azeite – mas cuidado para não se empanturrar.
Peça um pisco sour e vá com calma. Na edição de verão do menu, provei criações excepcionais como a sopa fria de figos frescos com tartar de maçã e foie gras e chips de ají amarillo; o choclo refogado com fios de pupunha e fígado de galinha, salteado em ají panca; pez de roca (tipo de peixe de carne tenra e bem branca) em caldo de tamarindo, quinua de três cores, espuma de coco, gengibre e capim limão com broto de bambu e brócolis; ceviche de linguado, vóngoles, camarão e lula com leche de tigre de rocoto e ajís amarillo e limo com bolinhas de mandioca cozida em chicha morada; maçã cozida coberta por chocolate amazônico crocante. Um lindo e saboroso panorama da moderna cozinha peruana. Menu degustação, sem bebidas, 80 dólares por pessoa.
2– Pescados Capitales
Salão amplo, claro, aberto. No longo menu, muuuuuitos frutos do mar e peixes de qualidade incontestável. Provei uma ótima causa – prato peruano composto por purê de batatas com avocado coberto, geralmente, por algo do mar- de gordos e tenros camarões feitos na parrilla, acompanhada de delicada marmelada de tomate e, nesta versão, com o avocado em forma de um sedoso creme. No principal, sensacional arroz arbóreo com quinua e ají amarillo com lula, polvo e camarão na parrilla: cremoso, intenso, farto. Sobremesa, uma espécie de cheesecake de lúcuma (fruta peruana que amo!) coberta por uma fina camada de chocolate.
Peça o CamuPolitan, Cosmopolitan feito com camu camu (fruta ácida com grande concentração de vitamina C) no lugar do cranberry. A refeição completa sai, em média, R$ 100 por pessoa.
3– Malabar
Primoroso. Não à toa o chef Pedro Miguel Schiaffino chama atenção de gourmands do mundo todo. Seu menu focado basicamente em ingredientes peruanos traz técnicas modernas em criações vibrantes, intensas, complexas e simples de gostar. Salão formal com luz bem baixa e ótima carta de vinhos. O cuidado com os detalhes é tamanho que ao servir a cesta de pães artesanais também é colocado ao lado do comensal uma pedra fervente para apoiar o pão à medida que se come e, com isso, tê-lo sempre na temperatura de recém-saído do forno.
Como entrada, não deixe de provar a excepcional rocoto glaceada (e adocicada, sem a ardência) recheada com arroz e morcilla sobre batata amarela e molho de ají amarillo. Como sobremesa, um surpreendente tres leches de choclo (milho). A refeição sai completa, em média, R$ 150 por pessoa.
4– La Mar
A cevicheria, com filial em São Paulo, tem um clima mais descontraído em Lima e um dos melhores peixes e frutos do mar que já provei. As vieiras gordas e adocicadas do meu prato principal– um estupendo filé de pez de altura sobre tacu tacu de arroz e feijão branco Pallares– foram as maiores que vi na vida (e o prato também é gigante; dá tranquilo pra duas pessoas). O ceviche misto, com choclo, lula frita, abóbora cozida, linguado, camarões, lula e polvos crus marinados em leche de tigre parecia vivo de tão fresco.
Vale ir com muuuuita fome e cedo, porque a casa não aceita reserva. A refeição completa sai, em média, R$ 110 por pessoa.
5– Mercado Minka
Já fora de Lima, perto do aeroporto, fica um dos maiores mercados da cidade, situado dentro de um complexo com lojas, bancos e cinemas. Corredores largos e compridos separados por ingredientes – batatas, milhos, frutas, pimentas- me faziam ter curto-circuito cerebral. Só ali, mais de 300 tipos de batatas e 20 de ají! Parece uma paleta de cores comestível.
Para comer não tem quase nada, mas dá para comprar ajís secos e provar frutas peruanas. Tome cuidado com a bolsa porque a região não é das mais seguras.
6– Mercado de Surquillo
Bem no meio de Lima, esse mercado é frequentado por donas de casas e poucos turistas. Vários e compenetrados açougueiros cortando pedaços imensos de boi e cordeiro; senhorinhas arrumando suas coloridas barracas de temperos e frutas; lojas de sucos preparando imensos e fresquíssimos copos com lúcuma, chirimoya, tumbo serrano…
Diz a lenda que é possível encontrar Gastón comprando suprimentos para suas casas no mercado. Eu não encontrei.
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