Nos últimos anos, vodca tornou-se uma bebida bem consumida no Brasil. Baladeiros adoram – é base neutra pra misturar energético, suco, refrigerante. Também dominou o mercado de caipirinhas por, de novo, ter sabor menos presente que a brasileira cachaça. Entre aqueles que procuram qualidade e não quantidade, aumentou a demanda por marcas premium e super premium, para serem tomadas puras ou como base de bons coquetéis. Vodca também virou sinal de status: não é só mais garrafas de uísques que viraram atração principal na mesa de lugares bacanudos. Mas, vem cá, você realmente sabe o que toma?
Há cerca de 20 dias tive o prazer de conhecer o funcionamento e os processos de duas destilarias, a de Ketel One e de Ciroc. A primeira fica em Schiedam, cidade ao lado de Roterdã, na Holanda. A segunda, na bela Cognac, interior da França. O que vi foram mitos caindo – como a o papinho furado de algumas marcas sobre uso de ‘água das montanhas imaculadas da costa virgem do Alaska’ (a real é que o que dá sabor não desejado no destilado são os minerais na água, que são completamente retirados através do sistema de osmose inversa; ou seja, fica apenas h20, por isso não há lá muita diferença na procedência) – e como uma marca cria personalidade e, com ela, atrai o público desejado.
Antes de começar, vamos lá: vodca é feita de quê? Segundo o Bureau Americano de Controle para Álcool e Tabaco, ‘vodca pode ser feita de qualquer produto agrícola que, quando destilado, resulte numa bebida incolor e sem características marcantes de aroma ou sabor’. Ou seja, pode ser de batata, trigo, uva, inhame, maçã, cevada… Além de ter matéria-prima abundante e variada, outro ponto que a tornou tão popular no mundo foi o fato de poder ser feita em qualquer canto, ao contrário de outros destilados, como Calvados e Tequila, que para serem assim denominados precisam ser fabricados com bases determinadas (maçã, no primeiro; agave, no segundo) e em regiões específicas.
Pois bem, a bebida nascida no século XII entre Rússia e Polônia (até hoje os dois países discutem quem é o pai da criação) é erroneamente rotulada de sem gosto. Cada marca tem sabor distinto, sim. Basta uma degustação às cegas e você notará isso claramente. Aliás, é bem divertido de se fazer em casa! Fizemos uma na destilaria de Ketel One: três copos foram dispostos para os presentes (em casa, não identifique nenhum e peça para os amigos descobrirem todos). No primeiro, o único identificado, Ketel One em temperatura ambiente para não ter o paladar e aroma rebaixados pelo resfriamento. Explico: assim como cerveja ruim, vodca ruim também é bebida geladíssima porque, desta forma, as papilas gustativas sofrem uma certa anestesia, além do fato de bebidas geladas deixarem o álcool menos evidente.
Todas tinham a mesma base, trigo, e a mesma temperatura. Sem diluição, para as notas alcoólicas serem comparadas. O que notei foi o frescor, o toque aveludado e o final sedoso da Ketel One; a presença excessiva do álcool da segunda; o sabor oleoso e desagradavelmente denso da terceira. Todas da mesma base, veja bem. Todas super premium. Mas um mundo de diferença.
Talvez essa diferença venha da pequena experiência que a famíia Nolet, detentora da marca em sociedade com a Diageo, tem em produzir destilados. São mais de 300 anos de história e onze gerações. A Ketel One, em específico, foi criada por Carolus Nolet, em 1983. E, até hoje, a família aprova toda a produção através de análise sensorial e química. Ah, sim, o Ketel One (alambique 1), no qual foi criada, até hoje está em funcionamento.
Os Nolet são calmos, tem orgulho nítido da qualidade do produto do que colocam no mercado, fazem questão de controlar o processo e não acreditam em publicidade – por isso você nunca viu anúncio da marca em nenhuma revista de luxo. Nem verá. Eles acreditam em gerar interesse pela marca através do barmen, de drinques bem feitos, de informação.
Então, quando vamos a Cognac, lar da Ciroc, o discurso muda. Jean Sebastien Robiquet, criador da primeira vodca de uva do mundo e hoje embaixador da marca (ela foi 100% vendida para a Diageo) é uma figuraça. Com porte de bom vivant charmosão, adora grandes festas, celebridades, clima eterno de balada chique na Cote D´azur. Sua idéia para o produto nasceu, de uma certa forma, junto com ele: vem de uma família proprietária de vinhedos há séculos. Ajudou também o fato de ter trabalhado décadas na Henessy, uma das maiores ‘grifes’ em conhaque. Se existe um destilado de uva, porque não fazer uma vodca?
Bom, o fato é que seu produto deu mega certo e hoje está presente em grandes eventos no mundo todo. Ano passado, inclusive, Kate Moss montou um bar de Ciroc em sua festa de aniversário. Os vídeos da marca são repletos de homens e mulheres lindas, aproveitando a vida non-stop, assim como Jean Sebastien.
A destilaria produz milhares de litros a mais que a da Ketel One mas também possui um controle de qualidade rígido. Inclusive, tivemos a experiência de provar três amostras de um lote e compararmos com a amostra-padrão para descobrirmos quais delas haviam passado pelo crivo e quais, não. Neste processo nota-se a diferença entre uma vodca de uva ‘qualquer nota’ e uma bem feita, equilibrada. Apesar de gostar mais da Ketel One, confesso que tomar vodca tonic com Ciroc é bem do bom.
Eu gosto muito mais de vodca em coquetéis bem feitos do que pura, por uma razão: me agrada demais notar o que um barman talentoso consegue fazer com uma boa base. Coquetelaria é algo tão complexo quanto gastronomia. É gastronomia, em si. Tanto no bar quanto na cozinha é necessário dominar técnicas, ser quase neurótico com a dosagem de cada ingrediente, treinar, testar, experimentar, criar. Barmen e cozinheiros tem a mesma profissão: transformar o bom (ingrediente) em algo melhor ainda, único, inesquecível. Um serve sua criação no prato; o outro, no copo – essa é a única diferença.
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