Este foi o segundo ano, em sequência, que visitei Belém durante o Festival Ver-o-Peso da Gastronomia Paraense. Belém é intoxicante durante todo o ano, mas os dias do Festival tem uma magia cultural única. Dias em que é possível conviver com grandes especialistas da área, conversar com pesquisadores, chefs, jornalistas apaixonados. Dias que se dividem entre refeições inesquecíveis (o que é o açaí sensacional do Point do Açaí?!), palestras, aulas, passeios. Dias que se alongam mas, mesmo assim, parecem curtos demais.
O Festival Ver-o-Peso – idealizado pelo pesquisador e chef Paulo Martins e, após sua morte, tocado por sua mulher e filhas – tem como intuito divulgar a magnitude dos ingredientes/receitas/tradições amazônicas. Há doze ele promove coisas importantíssimas e raras no país: promove o orgulho da gastronomia local entre os moradores.
Melhora a qualificação da mão de obra (que, claro, ainda tem muito a evoluir). Leva aos chefs de todo o Brasil uma visão única da riqueza da região. Luta contra o sentimento de vira-lata do brasileiro, que prefere comer itens importados de qualidade medíocre à consumir o que se tem somente na sua terra.
As legendas das fotos deste post trazem bastante informação sobre meu período por lá. Se fosse resumir (eita coisa complicada!) as coisas que mais me pegaram de jeito desta vez:
1. Receitas tradicionais amazônicas transformadas em sanduíches
Impecáveis e muito bem executados, a lanchonete The Nine prepara sandubas como o Delírio Amazônico (burger de maniçoba com o maravilho queijo de Marajó) e o burger de coquinho da pupunha com cream cheese e redução de café com vinagre balsâmico, numa divertida e ótima releitura do hábito local de café da manhã. Vale muito, muito.
2. Trabalho das Filhas do Combú, marca criada pelas moradoras da ilha de mesmo nome que fabrica um dos chocolates artesanais mais valorizados na região
O melhor brigadeiro da minha vida foi feito com chocolate 100% cacau do Combú e nibs de cacau. O segundo melhor? Recheado com flor de jambu. Lindo projeto de valorização de produtos e mão-de-obras regionais, com produção modesta (até 8 quilos por semana) e inteira feita a mão, da colheita à confecção da barra.
3. O riquíssimo universo da mandioca
Gezuis, como ela é versátil e importante. De farinhas à goma. Doces, salgados, líquidos. Sua folha vira a sensacional maniçoba. Isso sem falar em Tucupi (o caldo fermentado da mandioca brava e temperado com alfavaca, chicória, sal e alho), Arubé (concentrado de tucupi refermentado com a goma, usado como molho) e 0 surpreendente Pajuarú, bebida alcoólica indígena feita à partir do beiju torrado da mandioca brava…. Belíssima palestra de Neide Rigo sobre o tema.
4. O talento e dedicação à pesquisa dos irmãos Felipe e Thiago Castanho, do Remanso do Bosque
Num dos melhores, mais trabalhados e delicados menus-degustação do país, Thiago brinda o comensal com criações que mesclam simplicidade conceitual e criatividade que extrai o máximo dos já espetaculares ingredientes, caso do purê de pupunha em pele de arroz, com óleo de amendoim e farinha de pipoca e do mais saboroso peixe que comi na vida, filhote ao leite de castanha do Pará crua.
De longe, o melhor festival gastronômico do Brasil. Que os outros aprendam com ele, cresçam e levem profissionalização e informação para o público e mercado. Só assim teremos um país orgulhoso de algo que é mesmo motivo para imenso orgulho: nossa comida.
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