São raros os pratos que me emocionam por traduzirem, em sabores, tempos meio apagados nas cores porém acesos em algum canto do coração.
Que emocionem – involuntariamente – pela capacidade de me fazer voltar para um almoço de dia de semana, na mesa da cozinha da casa da minha mãe, depois da escola. Cansada, feliz, falante.
Venho de família de imigrantes italianos. Meus bisavós, de um lado, e avós, do outro, vieram do Norte e Sul da Itália trazendo consigo poucos pertences, nenhum dinheiro e esperanças gigantescas.
Os tempos difíceis os ensinaram a nada desperdiçar: cresci comendo miolo de boi empanado, língua, dobradinha. E moela, a minha preferida entre as “comidas de pobre” (que expressão ignorante…). .
E ao dar a primeira garfada na moela ao molho de tomate e cenoura do Esquina Mocotó, casa autoral do chef Rodrigo Oliveira, fui transportada para algum dia da minha infância no qual misturei seu caldo espesso no arroz branco (aqui, na farofa) com pimenta (sempre gostei de pimenta – e de caldos) e só parei quando não havia mais nenhuma gota.
Italiana, nordestina, croata, francesa, não importa: a melhor cozinha é aquela que transforma em iguarias cotidianas ingredientes desprezados pela maioria.
A melhor comida é aquela que fala a nós num idioma totalmente pessoal e, de certa forma, intraduzível. E, sem dúvida, Rodrigo fala a minha língua.
Rodrigo é cozinheiro de alma: o que vejo nele é um profundo desejo de fazer o comensal feliz. E se dedica devotadamente a isso: não houve uma única vez em que fui ao Esquina Mocotó na qual ele não estivesse detrás do balcão, envolvido com seus afazeres (no meu último almoço por lá, foi lindo de ver o orgulho e alegria com as quais ele falava sobre o pão de fermentação natural feito ali, diariamente) – a fama não o tirou da cozinha. Os prêmios não o transformaram em alguém diferente: ele continua com sua fala mansa, paciente ao ouvir seu interlocutor, orgulhoso de suas raízes.
Estrelas Michelin não o fizeram parar de servir carne de sol ou macaxeira: usou seu talento e sensibilidade para extrair o melhor de cada ingrediente, elevando-os.
Não abraçou ‘tendências’ para se manter atual e atrair hordas de foodies ávidos por qualquer tipo de novidade: manteve-se o mesmo, melhorando constantemente.
Hoje, a cozinha do Esquina Mocotó faz alta gastronomia. Ao meu entender, alta gastronomia é definida por ingredientes de qualidade, talento, técnica e emoção – e encontro tudo isso no delicado tortellini de berinjela e Pancs com queijo Serra das Antas, cogumelos e folhas de Major Gomes. Encontro tudo isso no nhoque de mandioca com tucupi, quiabo e queijo de cabra (R$ 44,90).
Encontro tudo isso na Cocada preta servida com as raspas caramelizadas do fundo do tacho, farofa de coco e sorbet de dois limões (R$ 16,90).
No Esquina Mocotó encontro algo precioso: paixão. E não há nada que dê mais sabor a um prato do que a entrega de um cozinheiro ao seu ofício.
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