ATUALIZADO em 20/08/2018
“Um dos fatores para termos café de qualidade é moê-lo o mais próximo possível do consumo, o que preserva suas características sensoriais. Então por que com a farinha seria diferente?”, me questiona Cesar Costa, chef do novo restaurante Corrutela. Uma ótima questão. A resposta? Com a farinha não deveria ser diferente, mas nos acostumamos tanto a ter na prateleira de casa um insípido pó branco de validade quase indeterminada, que nem temos traços de memória do que seria uma farinha fresca e íntegra.
A conversa começou após a primeira mordida que dei na fatia do pão do Corrutela: fragrante, intenso como se estivesse em meio a plantação de trigo, moreno, levemente ácido, miolo elástico. Um primor. Ali eu já tinha certeza de que a farinha usada não era convencional: não há possibilidade de uma farinha convencional se tornar aquela beleza.
O que eu não sabia era que além de ser proveniente de uma cooperativa orgânica do Paraná, o trigo usado no pão é moído no restaurante, em um antigo moinho de pedra. O mesmo moinho de pedra também é processa o milho utilizado no preparo da polenta e o cacau, ingrediente de algumas sobremesas.
Esse é o grau de cuidado de Cesar com a comida. Um grau que me remeteu ao trabalho do chef americano Dan Barber. Apesar de Cesar não ter um centro de pesquisa nem fazenda da qual tira seus insumos, ele presta consultoria para pequenos produtores para desenvolvimento de espécies crioulas de trigo e milho (foi isso que tornou possível, por exemplo, a existência do trigo que usa no Corrutela).
Não é seu menu que pauta as compras: são os ingredientes da estação – mais frescos, mais saborosos e mais baratos – que definem seu menu, alterado semanalmente.
Ele se preocupa com a total rastreabilidade dos ingredientes, tecendo relação pessoal com todos seus fornecedores, majoritariamente sustentáveis e/ou orgânicos e/ou agroflorestais.
Há pouquíssimas opções com carne bovina – que tem uma imensa pegada ecológica – e muitas criações repleta de vegetais, frutas, sementes, nozes.
Peixes, apenas os da estação. E é dos peixes, mais especialmente do peixe-espada, que Cesar produz seu ‘bacon’: a barriga do animal, rica em gordura, é renegada pela maior parte dos restaurantes, que não veem uso para ela.
O lixo orgânico produzido acaba na composteira, exposta no salão, e vira adubo orgânico.
Todos os funcionários recebem a mesma porcentagem de caixinha, não importando sua posição na hierarquia.
Não existem garrafas de plástico no restaurante. Água, apenas filtrada e gratuita.
E a comida reflete toda a energia empregada por Cesar: é viva, criativa, reconfortante, com sabores limpos. Tocante.
Um belíssimo trabalho a valores absolutamente razoáveis: o menu com água, pão, manteiga feita na casa, dois pratos e sobremesa custa R$ 95. À la carte, os valores médios são de R$ 15 (petiscos), R$ 45 (principais) e R$ 24 (sobremesa).
Sustentabilidade também passa por acessibilidade: e Cesar saber disso.
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