Meio ignorado no Brasil até pouco tempo atrás, o gin viu sua popularidade crescer há alguns anos: demorou quase uma década, mas a febre espanhola do gin tônica chegou com força por aqui. Em São Paulo, há bares dedicados ao coquetel – mesmo o cenário nacional de tônicas ainda ser pródigo em líquidos cheios de açúcar, conservantes e calorias – e à bebida, nos quais são oferecidos mais de quarenta rótulos. Some isso à tara paulistana por Negroni (feito com a tríade gin-Campari-Vermouth) e temos um mercado bem receptivo.
Atentos ao movimento, empresários brasileiros começaram investir na produção de gin nacional. Em 2016, os primeiros rótulos apareceram. Hoje, a prateleira está recheada: Amázzoni, Loki, Arapuru, Virga, BEG, Ivy… Mas, vem cá:
Você sabe do que é feito o gin?
Qual o ingrediente obrigatório, caso exista algum?
A diferença dele pra vodca e pra cachaça?
Foi para descobrir isso que visitei a destilaria da Amázzoni, criada pelo italiano Arturo Isola e pelo brasileiro Alexandre Massa, em Resende, no Rio de Janeiro. A marca foi eleita, este ano, no World Gin Awards, em Londres, a melhor produtora artesanal de gin do mundo. O resultado da visita está no vídeo acima.
Então, vamos entender um pouco mais sobre gin?
No princípio, era remédio
A bebida percursora do gin foi criada em 1650 pelo médico holandês Franciscus de la Boe. Depois de muitos testes, o médico chegou a uma receita de álcool infusionado com bagas de zimbro que aliviava diversos sintomas como falta de apetite, dores de estômago e febre. Chamou a poção de Jenever/Genever (zimbro, em holandês). Ele só não sabia que o negócio duraria bem pouco na farmácia…
Soldados britânicos em passagem pela Holanda gostaram tanto do tal do Genever que carregaram garrafas para casa. Pouco tempo depois, já era um dos destilados favoritos na Inglaterra. A diferença básica entre Gin e Genever é que o Genever é feito com adição de Malt Wine (fermentado de malte) ao destilado. Durante o século 18, com a popularização do Genever, não havia tanto malte para dar conta da produção. A solução foi usar apenas álcool neutro que, em boa parte dos casos, tinha má qualidade. Para dar aquela disfarçada no sabor, faziam uma infusão de frutas, raízes e semente. Assim, de uma necessidade pouco nobre, nasceu o gin.
Zimbro, o indispensável
Zimbro é o fruto (baga) de árvores do gênero Juniperus, da família dos ciprestes, primos dos pinheiros, originárias do Hemisfério Norte. Ele, o zimbro, é o ÚNICO INGREDIENTE OBRIGATÓRIO EM QUALQUER GIN. Além dele, pode-se usar uma infinidade de botânicos que, combinados, produzem outra infinidade de sabores. Angélica, anis, semente de coentro, cardamomo, cássia canela, casca de cítricos, erva-doce, gengibre, priprioca, cumaru… Use o que quiser, desde que tenha zimbro.
Há dois principais estilos de gin, o Dutch e Dry.
Dutch gin: também conhecido como Holland, Genever e Jenever, é tradicionalmente feito com álcool de milho, centeio e cevada, em proporções iguais. Levemente adocicado é mais saborizado.
Dry gin: estilo predominante no mundo, é tradicionalmente produzido com álcool de grãos e, como diz o nome, é mais seco. Dry gin produzido na Inglaterra com conteúdo alcóolico entre 40% e 50% leva a denominação London Dry ou English Dry.
Pelas leis brasileiras, a graduação alcoólica do gin obrigatoriamente varia entre 35% e 45%, o que torna ilegal importar alguns London Dry. Segundo a legislação:
“Gim ou gin é a bebida com graduação alcoólica de trinta e cinco a cinqüenta e quatro por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida pela redestilação de álcool etílico potável de origem agrícola, na presença de bagas de zimbro (Juniperus communis), com adição ou não de outra substância vegetal aromática, ou pela adição de extrato de bagas de zimbro, com ou sem outra substância vegetal aromática, ao álcool etílico potável de origem agrícola e, em ambos os casos, o sabor do zimbro deverá ser preponderante, podendo ser adicionada de açúcares até quinze gramas por litro.
II – london dry gin, quando a bebida for obtida por destilação seca;
III – gim seco ou dry gin, quando a bebida contiver até seis gramas de açúcares por litro; ou
IV – gim doce, old ton gin ou gim cordial, quando a bebida contiver acima de seis e até quinze gramas de açúcares por litro.”
A questão do ‘álcool neutro’ é curiosa: na verdade não existe álcool que seja completa isento de aromas e que não carregue nenhum sabor. Pegue a vodca, por exemplo, o maior exemplo de álcool neutro. Qual o diferencial de venda de algumas das marcas? A origem do álcool! Ketel One, trigo. Ciroc, uva. Tito’s, milho. Então fazer gin com álcool de cana (assim como de batata, inhame ou mandioca) carrega, sim, o DNA do insumo. Não há nada errado, desde que não vire uma cachaça infusionada com zimbro, o que não é exatamente gin…
A legislação libera também a utilização de aromas artificiais e/ou extratos concentrados. Sendo assim, podemos estar tomando um ‘sucão’ de álcool com gotas de ervas, cascas e frutas – e jamais saberemos, porque não precisa vir descrito.
Há, porém, algumas maneiras mais sensatas de ‘inserir’ aromas dos botânicos no álcool. A Amázzoni, por exemplo, infusiona cada um dos botânicos, separadamente, depois une todos, nas proporções da receita, e leva-os para a segunda distilação (a primeira, como sabemos, foi feita após a fermentação aa cana/grão/uva/batata/etc). Outras marcas usam espécies de cestas cheias de botânicos suspensas no destilador; a medida que o vapor passa por elas, carrega seu perfil aromático. Querendo mais detalhes, clique aqui.
O gin é mais versátil e interessante dos destilados. A razão é simples: querendo, pode-ser colocar na garrafa não apenas os botânicos locais, mas também um pouco da biodiversidade da onde é produzido (a Amázzoni, por exemplo, usa maxixe, mexerica, limão siciliano, aroeira, cacau, castanha-do-pará, louro, semente de coentro, cipó-cravo).
Pode-se engarrafar cultura.
Gin é gastronomia líquida.
Comente
Seja bem-vindo, sua opinião é importante. Comentários ofensivos serão reprovados