“Viagem de imersão na gastronomia mesopotâmica”.
Quando recebi o convite para me juntar a 13 chefs e 7 jornalistas de diversas partes do mundo nesse roteiro, confesso: não sabia nada sobre a Mesopotâmia, muito menos sobre sua cultura culinária. Lembrava vagamente de algumas aulas de história e… só. Hoje, ao recordar dessa jornada, nem sei como agradecer ao Gastroway pelo convite. Nem sei como definir num post o que vivi, vi, comi – mas vou tentar.
Começando pelo começo: o que é a Mesopotâmia?
A Mesopotâmia é uma região de imenso interesse histórico, localizada no Oriente Médio, entre os rios Tigre e Eufrates. Lar de diversas civilizações – como os sumérios, assírios, caldeus e amoritas, entre outros – é o ponto zero do que conhecemos como vida em sociedade: foi na Mesopotâmia que os homens começaram a praticar agricultura (há mais de 11 mil anos), graças a oferta abundante de terras férteis, e fixaram-se num só local, abandonado o nomadismo. Hoje, a histórica Mesopotâmia extende-se por partes da Turquia, Síria, Irã e pela totalidade do Iraque e Kuwait.
Nos focamos num pequeno pedaço da Mesopotâmia turca, especificamente nas cidades de Gaziantep, Sanliurfa, Mardin e Diyarbakir. Eu, que já era apaixonada por Istambul, voltei completamente enlouquecida pela Turquia.
Voltei com o sabor da baklava nos lábios.
Voltei com pistache rosa, pimenta flocada, sumac, xarope de romã, tâmaras, trigo bulgur e lentilhas na mala.
Voltei desejando o onipresente, denso e saboroso iogurte.
Talvez algumas partes de mim tenham ficado por lá, me esperando voltar…
No intuito de tornar a experiência mais simples, dividi o post em algumas experiências/ingredientes principais. E, claro, não poderia deixar de começar pelo…
Café da manhã
Há um ditado na região da Mesopotâmia turca que define bem o que é o café da manhã tradicional por lá: “Se dá pra ver a mesa, é porque não tem comida suficiente”.
Esse ritual de inúmeros pratos faz parte da cultura gastronômica em dias especiais e quando se recebe visitas. É uma amostra da grandiosidade da comida local. E que grandiosidade: cozidos com cordeiro, saladas de lentilha e grão de bico, mel, diversos tipos de queijos, iogurte, chá preto (sempre!), vegetais frescos, pães chatos, hommus, azeitonas, ovos mexidos, frutas secas, muhammara, babaganuche, baklava, katmer… Programa obrigatório, decerto, mas vá com muita fome e não faça planos pro almoço – caso contrário, não conseguirá curtir tudo o que esse banquetão tem a oferecer.
Bom dizer que esse não é o café da manhã cotidiano, assim como os buffets de café da manhã brasileiros não são o que comemos em casa.
Legumes desidratados
A primeira vez que vi os vegetais desidratados ao sol, fiquei hipnotizada: pimentões, berinjelas, abobrinhas e quiabos secos são expostos em cordões multicoloridos, em todos os mercados, numa fartura digna de reparo. Técnica milenar de preservação e concentração de sabor, essa desidratação mantém os legumes aptos para serem consumidos durante todo o ano, inclusive no rigoroso inverno.
O principal prato feito com eles, onipresente e cotidiano, chama-se nakisli dolma: depois de reidratados em água ou caldo, são recheados com trigo bulgur, pasta de tomate com especiarias, carne moída de cordeiro e alho. Diversos estabelecimentos oferecem das dolmas também em versão vegetariana, sem cordeiro.
Absolutamente delicioso.
Especiarias e pimenta flocada
Não existe cozinha turca sem especiarias. Não existe, aliás, cozinha do Oriente médio sem elas.
Especiarias são massa de modelar nas mãos de cozinheiros talentosos. Elas são vida, cor, aroma e outro nível de sabor a ingredientes simples, transformando-os em delícias inesquecíveis. Ah, a bobagem dita por cozinheiros italianos de que uma boa receita tem que ter, no máximo, cinco ingredientes… Que tolice.
Caminhar pelos mercados da Mesopotâmia é atiçar todos os sentidos.
Pistache
Pistache – taí outro ingrediente onipresente nas mesas e mercados na Mesopotâmia turca. Não à toa: a região é a maior produtora da Turquia e uma das principais no mundo.
Não bastasse a excelente qualidade do pistache de lá, o negócio ainda fica melhor: Gaziantep e Sanliurfa são a terra da variedade rosa do pistache. Menores e mais delicados em sabor, os pistaches rosa são as estrelas dos recheios das baklavas (Gaziantep é considerada a capital da baklava) e katmers. Eu trouxe três quilos na mala!
Lácteos
Toma-se iogurte salgado líquido (ayran) em todas as refeições.
Queijos são item essencial no café da manhã.
Iogurte denso e dessorado é componente corriqueiro em saladas e acompanhando kebabs (a qualidade do iogurte é impressionante: cremoso, fresco, ácido na medida).
Incorpora-se iogurte a cozidos de carne, de lentilha, de grão-de-bico, de vegetais.
Sobremesas são recheadas com creme azedo e banhadas em manteiga clarificada (caso da baklava).
Lácteos são essenciais na cozinha mesopotâmica – não se faz praticamente nada sem eles. A maior parte do leite vem de ovelhas, já que a espécie também dá a carne mais consumida, a de cordeiro.
Manteiga Clarificada
Tive o prazer de acompanhar o processo de produção de manteiga clarificada de ovelha tradicional de Harran, povoado na fronteira da Turquia com a Síria.
As mulheres do povoado são responsáveis por transformar o leite nessa manteiga livre de impurezas (assim como o ghee indiano), misturando-o com um pouco de sal e farinha e levando-o para ferver num tacho aquecido com pedras quentes. Esses dois ingredientes têm a função de aglutinar as partículas que devem ser retiradas, trazendo-as para a superfície.
O resultado final é manteiga sem praticamente nada de lactose, proteínas do leite e caseína e com vida útil mais longa.
Cordeiro
Não há animal mais consumido na Mesopotâmia do que o cordeiro. A carne de sabor intenso e marcante está em centenas de receitas – até no café da manhã!- , o que pode ser desafiador para pessoas que, como eu, comem pouco bicho…
Doces
A doçaria turca/mesopotâmica é um capítulo à parte. Tão à parte que fiz um post só pra ela. Clique e leia!
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