Piquenique do Friccò: comilança entre as árvores

É muito fácil sentarmos à mesa de um restaurante, abrirmos o menu, fazermos o pedido, comermos, pagarmos a conta e irmos embora. Simples, não? A questão é que a imensa maioria das pessoas não tem noção de tudo o que está por trás de cada ingrediente de seu prato. Mais do que isso: não temos a menor idéia de como é criado/produzido o que comemos.

Pensando nisso– e na necessidade das pessoas conhecerem o processo por detrás da comida, para poder exigir qualidade–, o chef Sauro Scarabotta, do italiano Friccò, organizou, há um ano, o primeiro piquenique. Cerca de 20 clientes foram conhecer a chácara de Luís Yano, produtor uma enorme variedade de verduras. Tiveram uma pequena aulinha sobre o tema, viram a plantação, sentaram-se sob as árvores e deliciaram-se com uma comida mega-fresca, preparada na hora pelo chef. Meses depois foi a vez da fazenda de criação de javalis da marca de embutidos Temra; passado  um tempo, os clientes foram dar um pulinho num cultivo de shiitake (onde colheram seus próprios cogumelos). O projeto virou um sucesso e, este ano, a idéia é ter quatro grupos, um por trimestre.

O passeio deste último sábado tinha o tema “reconexão com a natureza” e foi realizado na chácara dos proprietários da marca Temra, em Araçariguama. Cheguei ao Friccò às 8h15 para pegar o ônibus que nos levaria ao nosso destino . Claro, dormi o caminho todo. Chegando lá, a primeira atividade foi uma meditação ao ar livre ministrada por dois professores de Medicina Tradicional Chinesa. Depois, cada um carregando sua cadeira, seguimos todos para as mesinhas montadas sob a sombra das árvores de um gostoso bosque. Mais meditação? Não. Degustação! Após uma breve explicação sobre o assunto, o especialista Aguinaldo Záckia serviu o primeiro dos ótimos três rótulos de vinho– em taças de cristal, tá? Piquenique, sim. Sem classe, jamais.

Já amiga das minhas companheiras de mesa, uma psicóloga e uma promotora de justiça, e bem animadinha com o vinho, não consegui conter meu “Caceta! Que lindo!” para o prato colocado à minha frente. A “entrada” era um regozijo vegetariano (não fosse por dois detalhes) mega-saboroso: escarola com farofa de pão italiano, anchovas, alcaparras e azeitonas-pretas grelhada na brasa; purê de batata com repolho e pancetta (um dos detalhes); salada de grão-de-bico, lentilha, verdes e lascas de parmesão; pão italiano na grelha; kafta de cordeiro Temra (o outro detalhe), suculenta, temperadinha, feita também na grelha. Uau. Ah, sim: TODAS as verduras e frutas usadas tinham acabado de ser colhidas e sido entregues naquela manhã pelos produtores. Absolutamente frescas.

Desavisada, comi como se não houvesse amanhã. As garçonetes limparam a mesa. Eu, já esperando o café. Eis que Sauro me chama: “Ailin, você não quer dar uma olhada no risoto?”. Risoto? Fui até a cozinha improvisada, na qual uma panela gigante equilibrava-se sobre um fogareiro de uma boca. “Esse risoto de abóbora leva pecorino, parmesão e feta”, diz. “Agora vem ver o javali recheado”. E eu achando que já tinha comido tudo…. Uma obra-prima: carne de javali assada na brasa com recheio de carne bovina moída, maçã, uvas-passas, canela– e tudo marinado, de um dia para o outro, em suco de cambuci. God.

De sobremesa, crostata feita na hora com pinoli, geléia de laranja, caqui recém-colhido, lascas de amêndoas e uvas.

A lição que eu tirei deste piquenique? Que quem sabe cozinhar faz maravilhas até em fogareiro; que verduras e frutas frescas e de produtores sérios (que não usam ou não abusam de agrotóxicos) são realmente mais saborosas; que comer ao ar livre com desconhecidos pode ser bem divertido; e, finalmente, que acordar as sete da manhã de um sábado até pode se tornar algo bom.

Para saber sobre o próximo piquenique, em maio, mande email para fricco@uol.com.br. R$ 150 por pessoa, com transporte incluso.

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