Quando vi a notícia da fusão do português Marquês de Marialva com o francês-tradiça La Cocagne, me assustei: será que seria mais uma das modas gastronômicas “meda”, daquelas tentam juntar noodles com guacamole e fingir que é cool? Iriam tentar enfiar goela abaixo dos clientes alheiras au vin, navarin de cordeiro com natas, tarte tatin com fios de ovos? Well, fui ao recém-inaugurado Marquês de Marialva/La Cocagne (ô, nome grande) e pude comprovar que não é nada disso. Ainda bem.
A idéia da fusão nasceu do acaso: Roberto Leal e sua esposa, a simpaticíssima Márcia Lúcia, souberam através de seu filho que o ex-proprietário do La Cocagne queria se desfazer do restaurante (aberto há 42 anos) de uma vez por todas– quem o visitou nos últimos tempos deve ter notado a decoração antiga, o menu desatualizado, a carinha de abandono. Então, apenas seis meses apósabrir o Marquês de Marialva em Alphaville, o casal comprou outra casa; e foi Márcia Lúcia que não quis abandonar o nome, nem o menu francês: “Seria um desperdício para a própria história da gastronomia de São Paulo acabar com um restaurante que exista há 4 décadas”.
O novo salão está mais moderninho mas continua clássico e sóbrio; o pianista está lá, assim como o cantor (confesso que preferia sem); os garçons, com anos de prática, merecem aplausos. A maior mudança mesmo está na cozinha– dividida em duas, com equipes independentes para o menu francês (sob o comando do antigo chef do La Cocagne, José Pereira) e português (comandada pelo competentíssimo e falante chef português Manuel Gonçalves)– e no menu.
Os bolinhos de bacalhau que acompanham o fraco couvert estavam sequinhos, leves, dourados por fora. A porção de alheiras foram satisfação só (R$ 25): caseiras, umas das especialidades do Chef Manuel, são levemente defumadas, crocantes no exterior, suculentas. De principal, fui de Bacalhau da Ceifeira (R$ 69): peixe desfiado, coberto por uma cama da generosa e cremosa de açorda–pão esmigalhado, temperado com azeite e alho– e gema de ovo molinha, perfeita para misturar a cada garfada. Meu namorado escolheu o lado francês do menu: filé de cordeiro ao roti de alecrim, batatas e aspargos (R$ 72). Tudo o que o prato ganhou no preparo impecável das batatas e no sabor do molho, perdeu no excesso de cozimento do aspargo e no ponto– passado demais– da carne. Há diversas outras opções como Medalhão de filé mignon recheado com queijo da serra, gergelim e legumes (R$ 74); Lagosta ao Thermidor (R$ 98); Arroz de pato (R$ 47), Bacalhau à Bráz (R$ 69)… Mas foi mesmo a sobremesa me impactou mais que tudo: Pudim de azeite.
Experiente e experimentador, Manuel adora criar. “Ano passado fiz um sorvete de alheira que causou alvoroço em Portugal. Tirei toda a gordura da carne então, o que sobrou, foi exatamente o que queria: o sabor defumado da alheira”, diz. E eu provei outra de suas criações, tão polêmica quanto: Pudim de azeite acompanhado de pasta carameladade azeitonas portuguesas e sorvete de creme (R$ 15). O pudim chega à boca com sua consistência firme e delicada e, na primeira mordida, sente-se o sabor intenso do azeite ligeiramente modificado pela temperatura gelada; segundos após, invade o palador o adocicado da mistura; para completar, uma colherada do sorvete bem doce com a pasta de azeitonas que carrega em si todo o salgado, mas também o caramelado do açúcar reduzido. Explosão total. Sobremesa ousada, divertida, que explora um ingrediente de forma criativa; difícil para a maioria das pessoas, mas um passeio delicioso para os que gostam de contrastes. Se preferir o mais tradicional, peça o impecável Pastel de natas (R$ 7).
Por mim, o Marquês de Marialva/La Cocagne poderia ser só Marquês de Marialva. Depois de 40 anos, acho que o francês poderia se aposentar…
Marquês de Marialva/La Cocagne: Rua Campos Bicudo, 129 – Jardim Europa – SP. Tel: 3079-5177
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