Confesso que a idéia não me parecia promissora: um jantar de vários pratos, todos harmonizados com vinhos, feitos APENAS com ingredientes usados pelo McDonald’s. Mas eu, jornalista que sou, deixei minha curiosidade guiar minha noite e… encarei, mesmo fazendo seis anos que não passo nem perto do McDonald’s, do Bob’s, do Burger King e de parentes próximos. Sei lá, acho que tenho apreço profundo pelas minhas calorias ingeridas. Mas, sabe-se lá, algumas experiências podem se mostrar surpreendentes.
A iniciativa, batizada de McGourmet, já tem quatro anos e é uma tentativa da rede de fast food de atrair um público diferenciado (por ‘diferenciado’, leia-se “que frequenta restaurantes e tenha educação gastronômica”) e mudar a percepção da marca. Interessante, mas com um tremendo potencial para o desastre.
O primeiro petisco, no coquetel, me causou um REAL arrepio na nuca: “ceviche” de mcfish (como depois explicou a chefe, eles tiram o empanado, picam e marinam em vinagre– porque o McDonald’s não usa limão) com sorbet de molho de BigMac. No embalo, Tostada com creme de Mcfish e molho tártaro (essa arrepiou o joelho) e Croquete de Big Mac com catchup de maçã.
Já duvidando que meu bom humor duraria mais 6 pratos, provei a maçã caramelizada recheada com cheddar (“cheddar” que em nada lembra o queijo-símbolo dos EUA e mais parece um derivado de petróleo). Então, fomos todos à mesa.
A chef responsável diz ter criado, ao longos de seis anos, 260 pratos diferentes com a cartela de ingredientes. Criatividade, te vemos por aqui. Aproveita e explica que se inspira em Ferran Adrià, por isso criou a espuma de Fanta Laranja picante que cobria a salada. “Espuma” que era um creme bizarro, pra dizer o mínimo. Ah, sim: também acompanhava um vinagre de maçã tão gostoso quanto lamber chão de rodoviária.
Segundo prato: musse de queijo parmesão com azeite de cenoura. A chef, mais uma vez, explica o prato: “o musse é feito com o pepino em conserva para quebrar o sabor intenso do parmesão”. Conseguiu: o negócio tinha textura de gelatina e gosto de…. pepino no vinagre.
Incrédula com as pessoas ao meu lado que soltavam “humm!” e “delícia”, vi meu nível de alegria gastronômica despencar pro subsolo. Então, resignada, encarei o Enformado de chicken grill com Mcfritas transformadas em purê, recheada com tomates em cubinho e coberto por mussarela fundida. “Amo cozinha emocional e esse prato é minha confort food. Sei que muitos aqui nem sabem o que é um fogão à lenha, mas fez parte da minha infância, então “queimei” um pouquinho a mussarela para dar o gostinho de madeira”, fala a chef. Ok, então tá…
Último prato: Barreado de Big tasty com farofa de pão de Big Mac. Sem comentários.
Sobremesa: ovos nevados com creme de baunilha e framboesa. Como doce é generoso, não?
“Alta gastronomia”, ou qualquer tipo de gastronomia considerada refinada, não se define desta maneira por usar termos em francês e louças bonitas. Alta gastronomia é algo que, em sua essência, presume o uso ingredientes frescos, sazonais, descobertas de combinações, de técnicas, preocupação com o sabor, com o prazer. É a vontade de alimentar com o que há de melhor.
Então me veio a certeza absoluta de que ser um bom escritor de livros de auto-ajuda é muito mais digno do que ser uma patética tentativa de filósofo.
Fast food não é e jamais será comida de verdade – não adianta empratar e deixar “bonito”…
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