A frase é do meu amigo Carlos Bertolazzi, chef do Zena Caffè. Tenho minhas dúvidas se o paladar do brasileiro vai se adaptar tão facilmente ao alho negro quanto se adaptou ao tomatão murcho melecado em azeite (odeio tomate seco; é o assassinato do tomate). Para ser bem sincera, até o almoço de hoje eu não havia experimentado a iguaria. Foi um convite do próprio Carlos para ser cobaia em algumas receitas que está criando que fez de mim a mais nova fã incondicional do bulbo.
Mas, primeiro, uma breve explicação sobre o tal de alho negro. Ele não é uma espécie exótica, não vem de um país longínquo e sequer é geneticamente modificado. O alho negro é um alho comum que passa por um processo de fermentação e envelhecimento de três semanas em estufa. No início, temperatura e umidade são elevadas e, no final, reduzidas. Durante a fermentação, os açúcares e aminoácidos do alho se unem, produzindo uma substância chamada melanoidina, responsável pela cor escura. O resultado é sabor adocicado, com lembrança forte de nozes e frutas secas, toque de tamarindo e ameixa, consistência cremosa e…. fenomenal. Dá para comer feito amendoim, um atrás do outro, sem ficar bafenta.
Em São Paulo ainda são poucos os restaurantes que o usam (o Emiliano, por exemplo,mas ainda trabalha com o importado) porque a fabricação dele, por aqui, é recente. Há menos de um ano, uma produtora de Ibiúna, Marisa Ono, montou uma estufa em sua casa e começou, meio que por brincadeira, alguns testes. Na época, sua capacidade de fabricação era de dois quilos. Hoje, de 17, com capacidade para 53 quilos- e os pedidos não param de aumentar. Chefs de todo o país começaram a se interessar pelas possibilidades do ingrediente.
Voltando ao meu almoço. Carlos preparou um camarão graúdo grelhado no alho, com creme de alho-poró, alho comum assado, pedacinhos de alho frito e alho negro. Parece alhento demais? Não senhor. Equilibrado, o prato trazia a crocância e o sabor forte típico do bulbo frito, enquanto o negro e o creme davam suavidade e harmonizaram super bem com o sabor do camarão. Como prato principal, roule maciíssimo de frango capão recheado com alho negro amassado, regado com molho de cerveja escura belga, farofa de anchovas e delicadas batatas fritas e vagem. Pena que nenhum destes pratos está no cardápio- eu voltaria fácil na primeira semana do ano para repetir, repetir…
Enquanto comia, tive algumas idéias que dividi com o Carlos: imagina fazer focaccia ripienna de linguiça e queijo de cabra curados com alho negro? Ou colocá-lo em forma de pasta na tábua de queijos para fazer as vezes da geléia? Eu quero mais é que ele tente e me chame, novamente, para ser cobaia!
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