Clos de Tapas: com influência molecular, sim, e muito bom

O tronco: folhas frescas, cogumelos, tubérculos e casca da mandioquinha desidratada e defumada. Para completar a experiência, aroma de bosque

Não tenho NADA contra a cozinha molecular: as técnicas, muitas vezes tão cênicas que beiram o apelo visual de um show do Cirque du Soleil, quando bem usadas resultam em pratos que atiçam e brincam com todos os sentidos. Então, em si, ela oferece uma miríade de oportunidades. O que não gosto é de cozinheiros medíocres que pensam “Ah, vou fazer espuma porque é hype e ficarei mundialmente famoso por conta do meu espaguete à bolonhesa esferificado”– isso é pataquada, babaquice e tosqueira.

O belo salão do Clos de Tapas

No Brasil ainda existe muito preconceito com as técnicas criadas por Ferran Adriá: diversos cozinheiros e comensais acham ser apenas uma modinha irritante; outros tem verdadeiro ódio mesmo não provando (da linha “não comi e não gostei”). Por tudo isso curti tanto o Clos de Tapas: os chefs Ligia Karazawa, brasileira, e Raúl Jiménez, espanhol, usam as técnicas moleculares com bom senso, bom gosto, elegância e, acima de tudo, conseguem ótimos resultados. Porque, no fim, o que importa é a comida ser gostosa– e eles sabem disso.

Parte do couvert que inclui pães frescos, manteiga aromatizada com umburana e essas massas de pastel com queijo cremoso e pó de calabresa

Ligia e Raul conheceram-se quando trabalhavam no Mugaritz, um restaurantes de vanguarda europeus mais aclamados (recentemente eleito o terceiro melhor restaurante do mundo na famosa lista da San Pellegrino). Depois de passarem por casas como El Celler de Can Roca e El Bulli, resolveram voltar para o Brasil e abrir um restaurante de tapas contemporâneas– mas que é muito mais do que isso. É o resultado de pesquisa, amor e dedicação pelo que se faz.

Dona Maria e Lótus Martini: coquetéis criados pelo barman Marcelo Vasconcellos

A boa impressão começa logo na chegada: salão com pé direito altíssimo e grandes vidros banhando o ambiente com luz natural. O serviço, desde o começo, é afinado e os pratos explicados com detalhe e calma– claro que comida boa não precisa de explicação, mas nesse caso não mata ninguém entender o que está por detrás das criações belíssimas e elaboradas. Informação é sempre bem vinda.

"Cenoura" de foie gras com torradas de ervas

A refeição se inicia com um couvert (R$ 12) em duas etapas: na primeira, pães frescos acompanhados de ótima manteiga com castanha do pará aromatizada com umburana e conserva caseira de legumes. Depois é a vez das crocantes massinhas de pastel em formato de pizza, com uma bisnaguinha de queijo cremoso e um potinho com pó de calabresa: é só montar e comer numa bocada só.

Delicioso quarteto de queijo coalho com harmonizaçãoes doce, amarga, ácida e picante

Na hora de escolher seu prato, um conselho: vá de menu degustação. É a melhor maneira de você passear pela comida dos chefs e entender– pela boca– que cozinha molecular pode, sim, ser boa pacas. O menu de oito pratos custa R$ 185 por pessoa (o de seis, R$ 135), leva, em média, duas horas e meia e tem sua composição mudada de acordo com a escolha dos chefs.

Peixe de igarapé: pirarucu com creme de clorofila, ovas de cacau e algas

Meu primeiro prato: quarteto de queijo coalho (R$ 22 fora do menu degustação) cobertos por notas completamente diferentes, mostrando como a mesma base pode mudar bruscamente de acordo com a combinação. O primeiro deles tinha melaço esferificado (doce), o segundo vinho com espuma de limão (ácido), o terceiro com creme de jiló (amargo) e o último, o picante, com pimenta bode.

Ceviche de robalo com sopa de manjericão tingida por repolho roxo

Segundo: apesar de não notar um sentido pontual em uma cenoura feita de foie gras (R$ 23 fora do menu degustação), a textura e o sabor delicado da criação estavam espetaculares. Ajudaram também no resultado as torradinhas de ervas.

Risoni com acafrão, siri mole e nuvem de dendê

Terceiro: Ceviche de robalo com sopa de manjericão tingida por repolho roxo (R$ 24 fora do menu degustação). Delicadíssimo, o peixe curtiu brevemente em limão e foi coroado, na mesa, por um caldo de um roxo lindo e refrescante que, ao entrar em contato com a acidez do peixe, tornava-se rosa.

Quarto: O tronco. Trata-se uma salada primorosa composta por folhas variadas, cubinhos de bacon e mandioquinha, pétalas de flores, cogumelos e a casca crocantíssima, desidratada e defumada da mandioquinha, com aspecto de torresmo (R$ 18 fora do menu degustação). Para completar experiência sensorial de estar no meio de um bosque– já bem executada pelos ingredientes– chega a mesa um vasinho repleto de musgo que, ao se adicionar gelo seco, tem seu aroma espalhado pela mesa. Sim, é um prato show mas também é absolutamente bem criado e com sentido em cada detalhe. Só faltou a chuva de fim de tarde.

Contra filé à Morais

Quinto: Peixe de Igarapé (R$ 27 fora do menu degustação). Por trabalhar com ingredientes frescos, as receitas do Clos de Tapas podem ter seus ingredientes variados de acordo com a oferta de bons produtos no dia. No sábado em comi esse prato, o peixe era um suculento e deliciosamente gorduroso pirarucu (que vem de um criador em Sorocaba), acompanhado de um tipo de consomê de clorofila, algas e pequenas pérolas de cacau. Sei lá se é porque adoro a Amazônia e tenho como uma das minhas lembranças mais queridas os dias que passei entre Manaus e Alter do Chão, mas colocar todos os ingredientes numa garfada só me transportou imediatamente para a beira de um rio (as esferificação de cacau deram o tom terroso, tão presente no aroma das margens encharcadas). Para dar crocância, fios de pupunha fritos.

Sexto: Risoni com açafrão, siri mole e nuvem de dendê

A Rolha e o Vinho: sobremesa com "rolha" de amendoim, sorvete de porto e sopa de suco de uva

Sétimo: macio Contra filé à Morais (R$ 30 fora do menu degustação), acompanhado de uma esfera repleta de creme de alho que se misturava gentilmente a farofinha…

Oitavo: a sobremesa fechou memoravelmente a refeição. Minimalista, baseada puramente em criatividade e bons ingredientes– a alma da cozinha molecular. O coco (R$ 17 fora do menu degustação). Simples, completamente, feita apenas de ótimo leite de coco gelado em nitrogênio líquido em formato de… coco. Por cima, cacau em pó. Ao lado, pó de curry apimentado. Assim que chega à mesa, o garçom o quebra no meio e escorre de seu interior um fio do leite de coco frio que, misturado ao curry, torna-se apimentado, repleto de especiarias, intenso.

O coco: esfera de leite de coco feita com nitrogênio líquido acompanhada de curry

A gula: como uma sobremesa só não basta, vi A Rolha e o Vinho (R$ 16 fora do menu degustação)  na mesa ao lado e tive que pedir. A rolha, no caso, é feita de amendoim. O vinho vem em forma de sorvete feito com Porto. Para acompanhar, uma sopa fria de excelente e aromático suco de uva (também em pequenos pedaços de gelatina, debaixo do sorvete). Mais uma vez, simples e delicioso.

Café: brioche de azeite, chocolate branco com laranja e chocolate cremoso frio

Ah, sim: peça os drinques do barman Marcelo Vasconcellos. Talentoso, produz bons coquetéis como o Dona Maria (cachaça, redução de jabuticaba com açai, creme de lichia com guaraná e aroma de flores, R$ 21) e o Lemongrass Martini (gim, suco de capim limão, purê de maçã verde, gengibre desidratado, óleo de casca de laranja, R$ 27).

O Clos de Tapas, enfim, não é para quem quer apenas comer. É para quem pretende ter uma experiência, muitas vezes diferente de tudo o que já provou—e, muito importante, livre de preconceitos.

O almoço executivo, durante a semana, custa R$ 42 (entrada+ prato+ sobremesa)

Clos de Tapas: Rua Domingos Fernandes, 548, Vila Nova Conceição, Tel.: (11) 3045-2291

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