Paola Carosella: uma grande chef muito antes do MasterChef

Deliciosa empanada salteña (carne picante, batata e ovos caipiras, R$ 7)

Deliciosa empanada salteña (carne picante, batata e ovos caipiras) do Arturito

“Paola tem uma trajetória de trabalho que vai além da linguagem culinária: trata-se de uma lição de vida. Para que uma comida seja saborosa, devemos colocar nela os sons de nossa alma. Restaurantes que medem seu sucesso apenas com regras matemáticas viram um vazio de números – para ser feliz é necessário encontrar um equilíbrio que nos permita usar esses números como nossos aliados. Paola faz de seu restaurante, o Arturito, a sua casa. E lá somos todos felizes”.
As palavras são de Francis Mallmann, um dos mais respeitados chefs da Argentina (se ainda não assistiu, assista o programa Chefs Table sobre ele, no Netflix) e grande influência na carreira de Paola Carosella.

Mallmann e Paola trabalharam juntos na época em que ele implementou o menu de inauguração do Figueira Rubayat, em São Paulo, e a trouxe para a cidade a fim de comandar a cozinha do restaurante. Isso foi em 2001 – nestes quatorze anos, a carreira de Paola fincou raízes fundas no Brasil. Hoje, além de chef aclamada pela crítica especializada, a argentina de ascendência italiana é também uma das mais famosas personalidades da tv – o MasterChef Brasil consegue o feito de ficar, por diversas vezes, em primeiro lugar no IBOPE nacional.

Ojo de bife com purê de mandioquinha: perfeição

Ojo de bife com purê de mandioquinha: perfeição

Sejamos sinceros: é muito comum cozinheiros abandonarem a cozinha ao irem para tela. Viram um faz-de-conta, personagens de si mesmos. É mais fácil encontrá-los em páginas de revista, colunas sociais e eventos do que perto do forno. Pegam em panelas apenas para fotos de campanhas publicitárias. Paola não só se mantém dentro de sua cozinha, como continua meio sem graça em passear pelo salão – é comum as pessoas confundirem sua timidez com antipatia… A fama só a tornou mais exigente consigo mesma. Com seu trabalho. E isto trouxe uma consequência: o seu Arturito nunca esteve tão bom.

Frequento a casa desde a abertura, em 2008. Excetuando um pequeno período em 2012, quando compartilhou a chefia do restaurante com o uruguaio Ignacio Mattos (período que senti a alma do lugar escapar), sempre comi muitíssimo bem ali. Sempre saí com vontade de voltar.

Frango orgânico no forno a lenha com cenouras orgânicas braseadas

Frango orgânico no forno a lenha com cenouras orgânicas braseadas

Hoje o que me agrada no Arturito vai além do uso magistral do forno a lenha, da cozinha que prima por ingredientes orgânicos e sazonais, do ponto de cocção perfeito dos alimentos, do ambiente informal no qual o que é servido importa muito mais do que quem é servido. O que me agrada ali é a própria Paola. É seu discurso.

É o uso do seu imenso espaço na mídia para tocar em temas como desperdício de alimento, em maus tratos animais, em educação alimentar. Paola manteve-se fiel a si mesma e utiliza o sucesso que fez por merecer para passar a mensagem que lhe é tão obviamente cara: “Voltar a cozinhar é fundamental para que a sociedade volte a ser mais saudável”.

Burrata com salsa verde e Cavolo Nero (primo da couve) grelhado: entrada do executivo do Arturito

Burrata com salsa verde e Cavolo Nero (primo da couve) grelhado: entrada do executivo do Arturito

Paola tem imenso respeito pelo alimento, pela cadeia produtiva e pelo cliente. Sua trajetória dura – aos 19 anos mudou-se para Paris na cara e na coragem e sem falar o idioma;  sofreu todo tipo de preconceito por ser mulher num ambiente comandado por homens – a fez focar no que é essencial. Ela é a antítese da nova “onda” de estudantes de gastronomia de classe-média alta que saem da faculdade chamando a si mesmos de “chefs” e com o objetivo de abrir seu próprio restaurante (geralmente financiado pelo pai) antes mesmo de saberem cozinhar. Ela trilhou seu caminho, passo a passo, com tempo.

Tenho ido mais ao Arturito no almoço por gostar da iluminação natural que adentra pelo teto retrátil. Curto sentar sozinha e comer, com toda a calma, um dos melhores pães da minha vida: fermentado naturalmente, leve toque azedinho, alto, de miolo macio e crosta externa levemente crocante, me lembra demais o pain des amis da boulangerie parisiense Du Pain et Des Idées.  Ele e a manteiga feita na casa compõe o meu couvert (R$ 9,50) favorito em São Paulo. A boa notícia é que o próximo projeto de Paola – que já tem duas unidades da casa de empanadas La Guapa – é abrir uma padaria. Como disse a ela, estou na fila desde agora.

Meu pão preferido é o xodó da chef Paola Carosella

Meu pão preferido é o xodó da chef Paola Carosella

Por R$ 52, o menu executivo inclui entrada, prato e sobremesa. Pode haver paleta de cordeiro braseada com cenouras tostadas, cazuela siciliana, minestronetorta de ricota com limão siciliano e chocolate amargo… O menu muda praticamente todos os dias. O jantar oferece pratos como Fígado de frango assado no forno a lenha com bagna cauda e torrada (R$ 19,50), salada de figos maduros, pecorino, avelãs e balsâmico (R$ 36), Polvo na chapa com feijão manteiguinha e aioli picante (R$ 76) e Capellini com abobrinha fresca, hortelã, manjericão e raspas de limão siciliano (R$ 41).

Paola sabe como o papel social e midiático do cozinheiro é importante num mundo em que grande parte dos problemas crônicos de saúde são provocados pelo que se come – e sabe também que a maioria da população ignora este fato.

Respeita sua imagem, não associando-a a fast food ou produtos alimentícios nocivos.

Sua comida é viva, fresca e executada com primor.

Por tudo isso, Paola é admirável.

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