Vivemos, paradoxalmente, num tempo de acesso facílimo a informação e de extrema superficialidade. Parece que a preguiça em aprofundar-se em qualquer assunto cresceu proporcionalmente a possibilidade de nos tornamos eternos estudantes, sempre aprendendo, melhorando. A Wikipédia é um exercício intelectual semelhante aos atletas de final de semana: não adianta muita coisa, pode ser perigoso, mas dá a impressão de tarefa cumprida. Por isso dou tanto crédito a pessoas que jamais param de se aprimorar, que ouvem a potente voz da experiência e criam algo com amor e embasamento. Esse é o caso de Sauro Scarabotta.
Chef-proprietário do Friccò, na Vila Mariana, Sauro é velha-guarda: não aceita cartão de crédito (com muito custo começou a trabalhar com débito), conhece a maioria dos seus clientes pelo nome, não acredita na eficácia de assessorias de imprensa. Mas também é velha-guarda na sua cozinha, que serve um dos melhores nhoques da cidade e trabalha com pequenos produtores, de criações sustentáveis, das carnes até os vegetais. Aliás, muito antes de moda atual.
A busca pela excelência fez Sauro cansar de procurar bons frios para servir em seu restaurante. A solução? Produzi-los. Há alguns meses, o chef fez uma pequena reforma na frente da casa e instalou ali um lindo balcão de frios e embutidos, 100% artesanais, produzidos no Friccó com carne de dois microprodutores de Piedade e Sarapuí.
A ideia só se consolidou quando o chef conhece Márcio Kimura. Formado em administração de empresas e música clássica, Márcio estava no Friccò cumprindo estágio de sua terceira faculdade – Gastronomia na FMU – quando os desejos de fabricar algo memorável se encontraram. Sauro o mandou estagiar com pequenos artesão de frios na Itália e, logo após, em indústrias do setor: era importantíssimo aprender as diferenças e saber o que fazer. Ou não fazer.
O resultado são jóias da linha Norcino, referência aos profissionais italianos dedicados ao abate de animais e preparo de frios. O que dizer da pancetta curada 18 meses, de gordura rosada e amanteigada, que acaricia a língua? Do lombo de porco curado com pouquíssimo sal e que fica livre para ser todo sabor? Do guanciale (bochecha de porco ou javali), dos salames, da mortadela? Eu diria ‘estupendos’, tanto pela qualidade do produto final quanto pela consciência e beleza do processo.
É difícil encontrar profissionais de gastronomia mais apaixonados pela profissão do que pelo sucesso/reconhecimento/aparecer em revista/apresentar programas de tv. Quando se entra pra turminha certa e conquista-se os jornalistas certos, qualquer um vira especialista em cinco segundos. Mas é preciso muito mais que isso para se manter. Sauro, em seus mais de 25 anos de profissão, sabe disso.
Não basta posar de bonito enchendo linguiça, literalmente, no Instagram. Para obter resultados acima da média é preciso ter medidor de PH de carne, que afere o grau de estresse animal na hora do abate e descarta, na hora, a compra das peças que estiverem fora do padrão por não curarem da maneira certa. É necessário ter uma câmera frigorífica própria.É indispensável usar uma ferramenta feita de osso de cavalo para monitorar o processo de cura no interior da peça. É necessário ter absorvido a experiência de quem produz isso durante toda uma vida. “Eu quero fazer os melhores frios do Brasil e estou conseguindo”, diz Sauro. É preciso ter talento.
Para acompanhar os frios, Márcio também começou a produzir focaccia deliciosas. “Depois de muita pesquisa, vi que o melhor é misturar o fermento natural (levain) com o industrial. Enquanto um dá corpo e sabor, o outro traz leveza. Há um certo exagero nessa moda de levain”, diz Marcio.
É possível comprar as belezinhas produzidas lá fatiadas e embaladas à vácuo ou sentar e comer, com calma. Vale muito pedir um dos sanduíches feitos com a focaccia – o porchetta é delicioso, farto, e custa R$ 15. Sim, o preço é ótimo… Há também com salame (R$ 22), guanciale (R$ 22), bresaola (R$ 22) e prosciutto (R$ 25), entre outras.
Agora, se quer mesmo sair feliz, peça a tábua mista que inclui dois tipos de salame (de porco caipira; de porco normal com gordura de caipira), coppa di testa (produzido com carnes e gordura da cabeça do porco), Prosciutto, ciabusculo (salame de espalhar da região do Marche) e linda, rosada e suave mortadela (R$ 70). A média, com três tipos, sai R$ 35; a pequena, com 1, R$ 18.
Fico feliz quando como bem. Mas me dá gratidão, da mais sincera, quando o que me é servido tem alma – e muito, muito sabor.
Friccò: Rua Cubatão, 837, Vila Mariana, tel.: 5084-0480
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