“Cerca de 18% das calorias consumidas por humanos, no mundo, vem de carne e derivados de leite, mas cerca de 80% das terras férteis são usadas para produção de carne e derivados do leite”. (fonte)
“O consumo de alimentos derivados de animais é uma das maiores e mais negativas forças a afetar a conservação dos ecossistemas terrestres e marinhos e sua biodiversidade. A produção de gado e de grãos para sua alimentação são as maiores causas de perda de habitat”. (fonte)
“Seria muito mais fácil alimentar 9 bilhões de pessoas em 2050 se mais dos cultivos terminassem nos estômagos humanos. Hoje, apenas 55% das calorias derivadas de grãos alimentam diretamente pessoas; o resto alimenta animais de corte (cerca de 36%) ou é transformada em biocombustível (9%). Apesar de muitos de nós consumirmos carne, leite e ovos de animais que criamos, apenas uma fração das calorias com as quais os alimentamos são transformadas no leite e carne que ingerimos. Para cada 100 calorias de grãos dados a animais, conseguimos apenas 40 calorias de leite, 22 calorias de ovos, 12 calorias de frango, 10 de porco e 3 de gado”. (fonte)
Os dados acima – faço parte das pessoas que acreditam em ciência, evidências e fatos – deveriam ser suficientes para nos fazer mudar imediata e grandemente nossos hábitos alimentares em prol de algo meio que importante: viver em um planeta habitável.
Repito e repito e repito: não há nada no cenário global atual que acarrete tão variados e imensos impactos ambientais quanto o crescente consumo de carne. E leite. E ovos. O bife cotidiano não é apenas um bife: ele faz parte de um sistema de produção poluente, socialmente injusto e ambientalmente degradante. Insustentável.
“A produção de carne hoje é quase cinco vezes maior que no começo da década de 1960 – de 70 milhões de toneladas para mais de 330 milhões de toneladas, em 2017. A população em 1960 era de 3 bilhões de pessoas; em 2017, éramos 7,5 bilhões”. (fonte)
“Se mantivermos o ritmo atual de consumo de carne e derivados do leite, precisaremos de muito mais terra fértil do que se as alimentássemos com plantas. Isso significa mais desmatamento, mais emissões de gases causadores do efeito estufa e mais destruição ambiental. O problema continua a crescer à medida que a população cresce”. (fonte)
View this post on Instagram
“As plantações de grãos existentes hoje para alimentar animais de corte poderiam alimentar mais de 3.5 bilhões de pessoas no mundo, todos os anos”. (fonte)
O assunto é tão fundamental quanto geralmente ignorado pela grande mídia em quase todo o mundo (os maiores anunciantes são ligados ao agronegócio/monoculturas massivas e a pecuária…). Se não fosse pela queimada criminosa (quem quiser pode dar uma busca no Google em DIA DO FOGO) que destruiu uma imensa área, este ano, na Amazônia, a maioria dos brasileiros jamais teria ouvido falar que o principal motivo para botar a floresta abaixo é abrir espaço para mais boi, mais pasto e mais monocultura de soja (tratada com toneladas de agrotóxicos, que esterilizam a biodiversidade) para alimentar… boi.
“Cerca de 70% da soja produzida no mundo alimenta animais de abate (carne e leite); apenas 6% se torna diretamente comida para humanos. O resto vira óleo”. (fonte)
“A pecuária responde por 65% dos desmatamentos na Amazônia. Este setor provoca um paradoxo impossível de resolver: se a produtividade da área é otimizada e a pecuária se torna mais rentável, traz mais capital e termina por aumentar o desmatamento. Se o manejo é primitivo, como é desde a implementação da pecuária na Amazônia, as pastagens aguentam, no máximo, 5 anos e depois são abandonadas”. (fonte)
Diante do desafio de alimentar bilhões de pessoas a mais a cada década sem destruir por completo o planeta, algumas startups americanas e europeias de food tech introduziram no mercado, em 2016, as primeiras carnes alternativas, as chamadas carnes vegetais. Esses produtos visam manter nosso prazer de sentir o sabor da carne sem, contudo, a pegada ambiental que a carne animal produz.
De acordo com a brasileira Fazenda Futuro, que lançou em maio de 2019 o Futuro Burger (100% vegetal), seu produto usa 98,2% menos terra, 99,6% menos água e tem 99,2% menos emissão de CO2 do que o similar animal.
View this post on Instagram
Mas então, se a tecnologia pode ser tão favorável tanto para o paladar, quanto para o planeta, porque tanta gente se revolta e xinga e odeia essa nova categoria de produtos? Na minha opinião, por um misto de ignorância, falta de informação e resistência a mudança.
Alguns dizem que isso é lixo superprocessado.
“Nosso hambúrguer não é um superprocessado: partimos das proteínas texturizadas e concentradas da ervilha. Com tecnologia de fabricação conseguimos dar cor e textura mais parecida a da carne. Usamos também ervas e vegetais in natura” diz Cristina Ferreira, diretora de industrial e P&D da Superbom, marca que desde 2018 lançou cerca de 20 produtos de carne vegetal entre hambúrguer, mortadela, linguiça, salsicha e frango.
Daí vão dizer: “Ah, mas algumas receitas tem derivado do papel (metilcelulose, usado como estabilizante), corante artificial, emulsificante! Se for pra comer esse merda, prefiro carne” ou “se é pra comer vegetal, faço hambúrguer de grão de bico!”.
Então vamos por partes.
View this post on Instagram
Parte 1
O mercado a base de plantas (plant based) precisa evoluir?
Claro.
Sempre e muito.
Mas vamos lembrar que, no Brasil, ele tem POUCO MAIS DE UM ANO. No MUNDO, não mais do que cinco. A pressão do consumidor por alimentos mais saudáveis e clean label fará com que as receitas se aprimorem e que sejam excluídos itens ‘duvidosos’. Faz parte da equalização do mercado.
“A questão da quantidade de sódio (bem alta na primeira versão que foi lançada) no Futuro Burger foi um desafio. Na versão 2.0 reduzimos carboidrato, gordura e sódio, além de termos melhorado a textura da carne e aumentado as fibras, para ter mais mordida” diz Marcos Letta, criador da Fazenda Futuro. “Se estou contente com os avanços? Sim, estou, mas queremos e podemos ir muito além. O que é legal é que essa nova “raça” é apta a evolução, não é estática. E é isso que queremos, o tempo todo: evoluir”, completa.
Certamente há carnes vegetais de péssima qualidade e cheias de tranqueiras, assim com há pães de péssima qualidade e cheios de tranqueira, salsichas, nuggets, bolos, biscoitos. Há produtores que querem vender gato por lebre? Certamente. Há aqueles que surfam na onda sem nem entender direito o que fazem? Opa, e como. Há de tudo. O que não dá é para generalizar.
Sabe com combater os picaretas? Leia a lista de ingredientes. Não gostou do que viu? Não compre.
Bom lembrar também que não é recomendável consumir carne vegetal ou animal todos os dias. Recomendável e saudável mesmo é ter uma dieta rica em legumes, verduras, frutas, grãos, castanhas e tubérculos – e tudo minimamente processado. Quando se quer algo indulgente, daí sim vale se jogar num hamburgão (vegetal, no caso, pra mim). Outra coisa que não tem restrição de uso? Bom senso…
Parte 2
Uma aviso amigo para quem acha que carne é super saudável, seguro e natural: não, não é. Não atualmente.
“O constante aumento de consumo de carne em países em desenvolvimento resultou em uso indiscriminado de antibióticos em animais de corte, o que quase triplicou a ocorrência bactérias resistentes entre 2000 e 2018. Os pesquisadores descobriram que a resistência animal a antibióticos foi maior na China, índia, Brasil e Kenya“. (fonte)
Temos também a administração de hormônios (no Brasil, no gado leiteiro; nos EUA e China, em todos os animais de criação), a alimentação a base de grãos e farinha de carnes e vísceras de outros animais (o que, geralmente, é totalmente distinta da alimentação natural do bicho), a vileza com a qual criamos animais ‘de abate’ que os afasta de qualquer bem estar possível (confinados, com rabos e bicos cortados, etc).
Exemplo do efeito cascata gerado pelo método industrial de produção de animais de corte está na gordura da carne, aquela parte que muita gente saliva de prazer só de pensar. Melhor pensar duas vezes. “Os pesticidas organoclorados se acumulam na gordura do animal. Quando ingerimos essa gordura, ingerimos também o resíduo do pesticida”, diz o médico Luiz Fernando Sella, mestre em Saúde Pública pela Loma Linda University (EUA). Os organofosforados e carbamatos são compostos químicos amplamente utilizados na agropecuária como inseticidas, no controle de pragas em plantações e de parasitas em animais.
Mesmo animais de criação orgânica precisam ser consumidos com moderação: “Está mais do que comprovada a relação do excesso de consumo de proteína animal ao aparecimento de doenças crônicas como as cardiovasculares, tipos de câncer, diabetes e obesidade. No universo científico há consenso quanto a importância de se ingerir muito mais vegetais do que animais: as pesquisas são abundantes nesse sentido. Porém há um descompasso entre o saber científico e a prática profissional” pontua o médico Luiz Fernando Sella.
Parte 3
VOCÊ pode não querer provar carne vegetal.
VOCÊ pode achar que não tem sentido.
VOCÊ pode achar antinatural.
VOCÊ pode achar patético veganos querendo sentir sabor de carne.
VOCÊ pode não entender a razão do seu amigo comprar um burger vegetal enquanto você grelha picanha no churrasco (e nem vegano ele é!).
VOCÊ pode pensar o que quiser.
Porém o mundo vai bem além de você.
Eu, por exemplo, posso ser considerada flexitariana, nova palavra que define quem não se considera vegano nem vegetariano mas diminuiu ao mínimo o consumo de alimentos derivados de animais. Não é que eu odeie o sabor de um bom pastrami ou de um kebab bem temperado: apenas tenho consciência de tudo o que cadeia de produção implica e me dá zero desejo participar disso. Então, se há a possibilidade de ter o prazer do sabor da carne sem o impacto, por que não?
Parte 4
“Comida e tecnologia não tinham que estar na mesma frase. Comida é comida! “.
Se você pensa ou fala isso, sinto te dizer que a pipoca que você come é de milho manipulado geneticamente, assim como a soja resistente a pesticida, assim como boa parte dos animais de corte (para crescerem mais em menos tempo, engordarem mais com menos comida e viverem mais em condições extremas).
Tecnologia pode ser usada para o bem ou para o mal. O fato é que ela já é aplicada na alimentação humana beeeem antes do termo food tech.
View this post on Instagram
O que você acha mais gostoso em um hambúrguer, #carne ou #queijo? 🤤 #vegan #plantbased #saude
A palavra é mesmo evolução.
Vejo passos importantíssimos em prol da sustentabilidade do processo na indústria plant based que jamais vi na indústria da carne (aliás, beeeem pelo contrário). Exemplo? Tanto Superbom quanto Fazenda Futuro usam grande quantidade de proteína de ervilha, que hoje é toda importada. “Estamos no processo de desenvolver fornecedores de ervilha no Brasil. O custo será bem mais baixo, o que para nós é essencial: queremos ter preço cada vez mais acessível” diz Cristina Ferreira, da Superbom. Segundo Marcos Letta, “Ano que vem começamos a produzir ervilha no Brasil. Também estamos levando a marca para a Europa e começaremos a parceria com produtores locais. O bacana é que nossa receita terá ingredientes locais, de temperos a vegetais. Assim teremos muito menos pegada ambiental”. Não à toa a Fazenda Futuro já vai cruzar o oceano: a demanda para carne alternativas cresceu 37% nos EUA nos últimos dois anos e 30% na Europa Ocidental.
Há quem acredite que a terra é plana, que produção animal não causa impacto ambiental e que aquecimento global é fake news.
Eu acredito em evidências e ciência, e o que elas dizem é que se não pararmos já de ser negacionistas, o efeito devastador virá para todos, muito mais rápido do que se pensa.
O fim da negação pode começar, com prazer, pela boca.
_______________________________________________________
P.S.: antes que alguém saia falando asneiras, bom deixar claro que isso não é post patrocinado, que não recebi um tostão das marcas citadas e nem das não citadas.
Comente
Seja bem-vindo, sua opinião é importante. Comentários ofensivos serão reprovados