Realmente não me importo com quais restaurantes entraram para o Guia Michelin Brasil. Nem com o Guia Michelin.
Não me importo com a mudança de posições na lista dos 50 Best.
Não poderia me importar menos com as próximas tendências gastronômicas.
Não tenho paciência para cozinheiros com egos tão grandes quanto o talento que pensam possuir.
Acho uma bobagem o frívolo mundo da alta gastronomia e seus personagens caricatos como foodies milionários que comem status, jornalistas deslumbrados com sua (pseudo) relevância e lobistas de listas. Não vejo sentido – além do óbvio, o de gerar grana para os criadores – em premiações mundiais com centenas de jurados que nem mesmo necessitam ter ido aos locais para os quais votaram.
Confesso que tudo isso me irrita.
Por que enquanto essas pessoas gastam energia e baldes de dinheiro em adulações e futricas típicas de uma vila no interior da pqp (cuidar da existência alheia, destruir a reputação do ‘vizinho’, se achar o único exemplar digno de elogios e sucesso), nós e nosso planetinha nos afundamos em agrotóxicos – que contaminam rios e nascentes-, sementes geneticamente modificadas, alimentos processados que não passam de lixo químico. Enquanto o irrelevante é glamourizado, o essencial é desprezado. E o essencial é o processo, de onde vem e como é produzido o que ingerimos – seja num balcão na rodoviária ou à mesa da Osteria Francescana.
Por exemplo: a primeira coisa que penso ao ver fotos em perfis de cozinheiros nas redes sociais exibindo “meu bacon artesanal”, “meu burger de wagyu dry aged por quatrocentos solstícios”? Penso em quantas dessas pessoas se dão ao trabalho de saber como os animais que deram origem aos seus produtos foram criados, o que comeram, como foram abatidos. Por que se quem transforma a matéria-prima e a oferece ao comensal não se importar com isso, quem se importará? O balconista de loja de conveniência? O gerente da concessionária?
Me pergunto quantos desses cozinheiros – estudantes, anônimos ou seguidos por milhares – são conscientes de que um dos maiores problemas do nosso atual sistema de produção de alimentos é o consumo excessivo e desnecessário de proteína animal e o efeito dominó que isso acarreta: confinamentos cada vez maiores e mais horrendos, animais herbívoros comendo rações que contém restos de animais da mesma espécie, montanhas de dejetos, contaminação da terra, gases que pioram o efeito estufa.
Me pergunto se leem rótulos dos produtos que usam em suas cozinhas.
Me pergunto se sabem mesmo o que tem dentro dos vinhos que servem em seus salões.
Me pergunto se tem consciência do quão doente é o salmãozinho grelhado do menu.
Me pergunto se pensam no tamanho do desperdício dos recursos naturais ao servirem legumes, frutas e verduras provenientes do outro lado do globo.
E sigo me perguntando por que ainda é uma minoria dos chefs famosos – por talento, por presença na mídia, ou ambos – que foca esforços e exposição no primeiro front da boa alimentação, do que eu considero verdadeiramente ‘gourmet’: a qualidade e saúde do ingrediente.
O fato é que esse microcosmo de trufas e prataria não faz mais sentido para mim. Troco fácil um jantar de duzentos cursos em restaurante com vinte e cinco estrelas Michelin e sommelier com especialização em todos os vinhedos do sistema solar por uma tarde numa fazenda orgânica, numa queijaria, numa plantação de cacau, observando produtores no dia-a-dia do seu negócio. Aprendendo. Criando consciência do todo.
Hoje o que me importa é gente que se importa. Gente que não trata comida apenas como um degrau para a fama ou commoditie, mas sim como o que ela é: algo vital, prazeroso, que nos move, nos adoece ou cura.
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