A emocionante história do fazendeiro que planta ar limpo, água pura e terra fértil

Conheci seu João há um ano e meio. Naquele momento, meu interesse nele se resumia em verificar, com meus próprios olhos, sua criação de porcos criados soltos: uma distribuidora de carnes especiais havia me procurado para fazer uma ação sobre o produto e eu precisava checar se a realidade batia com a propaganda.

Marquei uma visita e fui para sua fazenda, Santo Antônio da Água Limpa, em Mocóca. Bastou meia hora ali, papeando com esse senhor vivaz e um poço fundo de sabedoria, para notar que os porcos – realmente criado soltos – eram somente um detalhe do imenso e lindo trabalho desse fazendeiro que revolucionou não apenas sua própria compreensão do que é uma fazenda, como transformou o modo de alguns de seus vizinhos encararem a terra. Seu João foi de garoto-propaganda de agrotóxico à um dos mais belos expoentes da agricultura natural no Brasil.

Ninguém acorda um belo dia e resolve mudar o método de produção de uma fazenda de 454 hectares, assim, do nada: geralmente não se mexe no que está dando certo. Mas o que é dar certo, mesmo? É apenas ter lucro?

João Neto, conhecido como João Louco, alimentados seus porcos caipiras, criados soltos e que não passam por castração

Em sua família há três gerações, a fazenda era baseada em monoculturas de cana e café, com alguns animais para consumo próprio. O uso de pesticida, especialmente no café, era intenso e constante: a cada ano novas pragas apareciam e novos produtos eram introduzidos. Porém, mesmo com todo os idas (herbicidas, fungicidas, etc), a produtividade vinha caindo, assim como a fertilidade do solo e seu saldo no banco: a compra de tantos insumos estava corroendo também a saúde financeira da propriedade. Para piorar, dezenas de empregados foram parar na Santa Casa de Mocóca com queimaduras oriundas da pulverização de um dos agrotóxicos e as fontes de água da propriedade já estavam impróprias para consumo.

E foi assim mesmo, do dia pra noite, seu João decidiu parar de usar todos os venenos que vinha utilizando há décadas: não queria mais aquela vida nem para ele e nem para seus funcionários. Não queria deixar uma fazenda estéril para seus filhos. Não queria mais ter aquele peso no peito.

Fim de tarde na Fazenda Santo Antonio da Água Limpa, em Mococa, um oásis da agricultura natural

Isso ocorreu em meados de 1995. Hoje, 23 anos depois, João Neto – mais conhecido como João Louco, por motivos óbvios -, restaurou a fertilidade do solo, produz mais de sessenta itens em vez de dois, não usa nenhum tipo de defensivo (nem mesmo os preparados biodinâmicos), tem à sua volta fontes de água límpida e dezenas de pássaros e mamíferos que retornaram ao seu habitat.

A fazenda de seu João é o ápice da agricultura natural, linha que crê numa coexistência benéfica e pródiga entre fauna, flora e humanos. Acredita em comida e planeta limpos. A história de Seu João é um alento para alma – e uma aula para o mundo.

Há coisas que me tocam especialmente na trajetória deste homem. O modo como decidiu gerir suas terras, por exemplo, no sistema de cooperativismo. Em vez de pagar salários a empregados que jamais teriam algo além de uma entrada mensal baixa e com pouca possibilidade de aumento, ele ‘dividiu’ a área em lotes que são cuidados por vizinhos e moradores da região. Cada um deles tem o dever de colher o que está na hora de ser colhido – seja café, seja juçara, sejam PANCs, seja goiabada – e entregar ao administrador, que negocia a venda e retorna para o associado 50% do valor. É proibido podar, arrancar mato, passar qualquer tipo de substância: a única atividade permitida é a colheita. “Não sou um agricultor, sou um coletor”, afirma seu João.

Itens produzidos na fazenda de seu João, em Mocóca: ali, há mais de vinte anos, não entra NENHUM tipo de defensivo ou agrotóxico

Ah, sim, os porcos: são 1600, numa ‘cercadinho’ de 60 alqueires delimitado por cercas de arame e repleto de lagoas, árvores, bosques, mata nativa, árvores frutíferas. Sim, ficam completamente livres, comem tudo o que a natureza oferece, não são castrados e são criados muito mais para plantar árvores (através das sementes que ingereme que saem em suas fezes) do que exatamente para o abate (apesar de, vez por outra, terem esse destino): há mais de 15 anos, nenhum humano planta absolutamente nada ali. Apenas os animais. É deles a função de reflorestar a região com plantas nativas/adaptadas. Até os pés de café quem planta são eles e as vacas.

Preocupado em ter animais saudáveis, seu João foi até o Pantanal para comprar porcos selvagens – Faixado, Piau, Monteiro, Javali -, com trato intestinal longo, o que os permite pastar, algo que fizeram por milênios: alteramos tanto a estrutura dos animais, que os porcos da indústria de carne, por comerem só ração, tem intestinos curtos e já não conseguem digerir celulose.

Lobeira: fruta essencial na dieta do Lobo Guará. É possível encontrá-la em toda a fazenda: o trabalho de recuperação da flora nativa está recuperando também a fauna. Dezenas de animais, como o lobo, estão voltando a viver por lá

A Fazenda Santo Antonio da Água Limpa é um oásis produtivo.
É um exemplo de como modelos sustentáveis de agricultura são possíveis.

Seu João merece ser conhecido e reconhecido.
“Eu só planto ar limpo, água pura e terra fértil”, diz.
Seu João é o agro do qual me orgulho. Seu João, sim, é que é pop.

VISITE A FAZENDA

Quem quiser conhecer de perto o trabalho de agricultura natural praticado na fazenda Santo Antônio da Água Limpa pode se hospedar lá: a fazenda funciona como agriturismo. Mais infos e valores por este LINK.

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