O Brasil é o maior produtor mundial de café – em 2019, o levantamento do IBGE apontou 48,99 milhões de sacas de 60 kg – seguido por Vietnã, Colômbia, Indonésia e Etiópia. Isso, porém, não significa que a bebida que tomamos seja de boa qualidade. Na verdade, grande parte do café vendido no país é de qualidade, no mínimo, questionável.
Exemplo disso é a lei da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que regula sujidades toleradas em alimentos e permite que cada 25 gramas de café torrado e moído possa conter até 60 fragmentos de insetos e que até 1% do volume do pacote seja “casca, pau e detritos provenientes do cafeeiro”. Tem produtor que aproveita para elevar esse índice para até 3% e dar uma ‘reforçada’ com milho, cevada, triguilho, açúcar mascavo e soja. Eu, por via das dúvidas, não compro café em pó.
Apesar da grande parte dos melhores grãos ainda seguirem para o exterior, especialmente para Estados Unidos, Alemanha e Itália, é inegável que a produção e consumo interno de café gourmet/especial vem aumentando nos últimos dez anos. Já é relativamente fácil encontrar excelentes rótulos nacionais em cafeterias de grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba.
Mas o que torna um café bom ou ruim? Para responder a essa pergunta, é preciso saber um pouco sobre seu processo de produção e processamento, algo bem complexo e trabalhoso. E começa com: o que é café?
O que é café?
Café é o fruto do cafeeiro, planta originária da África (acredita-se que da Etiópia) que engloba cerca de 60 espécies. Dentre elas, apenas duas são cultivadas e comercializadas, a Arábica e a Robusta ou Canephora.
O café arábica produz uma bebida mais complexa sensorialmente, com mais açúcar natural e menos cafeína, enquanto o conilon resulta em bebida mais rústica (é o que existe em maior proporção nos cafés ‘de supermercado’) e amarga.
Dentro de cada espécie há muitas variedades, como acontece com qualquer fruta (banana nanica, ouro, são tomé; manga rosa, tommy, haden…), o que acarreta sabores distintos. Sendo assim, o café que se toma pode ser de apenas uma variedade ou um blend, no qual diversas variedades são misturadas para se chegar a um objetivo específico. Algumas variedades de café arábica plantados no Brasil: bourbon vermelho, catuaí amarelo, acaiá, mundo novo, caturra, icatu, obatã.
Como é feita a colheita e processamento?
Depende. Nos chamados cafés de montanha, só é possível haver colheita manual: não existem máquinas que consigam angulação para colher em locais tão íngremes. Em áreas planas, pode ser mecanizada ou manual. Os produtores mais cuidadosos geralmente optam pela manual e seletiva; assim, retiram somente os grãos maduros, voltando ao mesmo pé duas ou três vezes durante a safra. Esta fase, na qual os grãos atingem o estado perfeito de maturação – em que casca, polpa e semente têm composição química adequada, destacando-se os compostos voláteis, responsáveis pelo aroma e sabor – é chamada de cereja.
Logo após colhido, o café passa pela lavagem em máquinas que separam os grãos mais leves (denominados de ‘bóia’, são frutos secos que boiam durante a lavagem) dos maduros. Então, seguem para a secagem, que oferece algumas alternativas com resultados finais distintos:
Processo natural (via seca): o fruto é seco na sua forma integral, ou seja com casca, polpa (“pele” que envolve a cereja do café) e a cereja.
Despolpado ou lavado (via úmida) : neste processo retira-se as cascas e a cereja envolta pela polpa vão para um tanque de fermentação, onde a polpa é eliminada. Após o processo as cerejas são secas. A bebida obtida tem sabor mais suave e acidez acentuada.
Cereja descascada: processo intermediário entre a vida seca e úmida. São retiradas as cascas, mas as cerejas com a polpa não são fermentados. O seu sabor é mais equilibrado.
Depois de seco, retira-se qualquer impureza e segue para a torra. Este é um momento crucial: é possível ‘lapidar’ um grão mediano ou destruir um excelente. Cada grão (dependendo de seu tamanho, variedade, etc) tem seu ponto de torra ideal – escura, média, clara -, que é definido pelo especialista, após diversas provas.
No Brasil, os cafés mais baratos costumam ter torra muuuuito escura, o que mascara defeitos e praticamente “incinera” o grãos. Costumamos chamar isso de ‘café forte’ mas, na realidade, é apenas ruim.
Qual a diferença entre café Tradicional, Superior e Gourmet/Especial?
Para combater o café de baixa qualidade, e separá-los em categorias facilmente identificáveis pelo consumidor, a ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café) criou, em 2004, o Programa de Qualidade do Café. Nele, especialistas certificados provam cada lote e conferem notas baseadas num sistema de classificação de defeitos. Quanto mais defeitos, notas mais baixas (e qualidade idem).
Resumindo beeeem resumido:
- Tradicionais: contém até 30% de robusta e maior presença de grãos “chochos, brocados, ardidos”, etc.
- Superiores: contém mínimo de 85% de arábica e menor presença de grãos “chochos, brocados, ardidos”, etc.
- Gourmet/Premium (mais conhecido como Especial): 100% Arábica e quase zero defeitos
Para cafés especiais – aqueles com notas altas – há outras certificadoras, como a BSCA (Brazil Specialty Coffee Association) e a UTZ. Para obtenção de certificação (feita por lotes, analisados por três provadores em uma avaliação sensorial, que irão conferir nota entre 8 e 10), a fazenda também deve preencher critérios rigorosos de responsabilidade social e sustentabilidade ecológica.
Além desta, há outras certificações como:
- Café de origem: relaciona-se às regiões de origem dos plantios, uma vez que alguns dos atributos de qualidade do produto são inerentes à região onde a planta é cultivada. O monitoramento da produção é necessário para a rotulagem.
- Café orgânico: é desenvolvido sob as regras da produção orgânica. Isso significa que o café deve ser cultivado com fertilizantes orgânicos e o controle de pragas e doenças deve ser feito por meio de controle biológico.
- Café fair trade: leva em conta as condições sociais e ambientais sob as quais o café é cultivado.
E pensar que todo esse trabalhão pode ir pro ralo no momento de fazer o café…
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