Salmão de cativeiro: o alimento mais tóxico do planeta?

Salmão de cativeiro: muito menos saudável e muito mais danoso do que muitos pensam…

“Salmão é repleto de gordura boa e Ômega-3.” “Salmão é super saudável.” Provavelmente você já ouviu ou disse uma dessas frases, e não à toa: o salmão vem sendo propagandeado como superalimento há pelo menos 30 anos, especialmente pelo Chile, o segundo maior produtor mundial (fica atrás apenas da Noruega). A questão evitada a todo custo pela indústria é: qual salmão tem gordura boa e Ômega-3? Certamente não o chileno, de onde vem 99% do que consumimos no Brasil: cem por cento do salmão chileno é criado em cativeiro e não existe gordura boa, Ômega-3 e nenhum tipo de saudabilidade em peixes provenientes desse sistema. Muito pelo contrário.

“A salmonicultura no Chile começou em 1980, década em que foi introduzido no país: ele não é uma espécie endêmica. De lá pra cá, a atividade vem causando danos irreversíveis à vida marinha, grandes impactos no ambiente e tem papel crucial na crescente resistência bacteriana causada pelo uso excessivo de antibióticos“, explica Liesbeth van der Meer, doutora em medicina veterinária, especializada em aquicultura de salmão pela Universidade do Chile e vice-presidente da Oceana Chile, ONG focada na preservação dos mares.

Fazenda marítima de salmão no Chile

A aquicultura salmoneira chilena, segunda atividade econômica mais importante do país (só fica atrás da extração de cobre), tem como método básico de criação o posicionamento de imensas redes – seja perto da costa ou a centenas de metros dela -, nas quais cabem até 69 mil peixes. A superpopulação, a falta de oxigenação apropriada da água, a fricção de um animal no outro pela falta de espaço e o estresse do confinamento tornam os peixes suscetíveis a doenças. Para evitar que morram, as grandes multinacionais que dominam a atividade, como Grieg Seafood e Marine Harvest – lançam mão de artifícios como a abundante utilização de antibióticos e antifúngicos.

Salmão de cativeiro com piolho do mar. Foto: BBC

No Chile, a relação antibiótico por quilo de peixe é 500 vezes maior do que na Noruega: isso não apenas gera bactérias super resistentes, como também se espalha pelo oceano. A doença mais frequente, o Piolho do Mar – parasitas que se alimentam do sangue e tecido do peixe – é combatido com um antiparasitário que extermina todos os crustáceos que vivem ao redor”, afirma Lisbeth. 

Os escapes, ou peixes que fogem das redes (muitas não têm manutenção adequada), configuram outro imenso problema. “No Chile, por ano, mais de 500 mil salmões saem das redes. Como são carnívoros e não tem predadores naturais, visto que são uma espécie exótica a aquele litoral, devoram tudo o que veem pela frente, dizimam cardumes inteiros e se reproduzem sem controle”, conta Lisbeth. Para piorar, a captura desses peixes pelos pescadores artesanais é ilegal e sujeita a multa.

Eis outro ponto crucial: a ração do salmão de cativeiro. Para a produção de um quilo de ração de salmão são necessários cinco quilos de peixe; esses peixes viram farinha e óleo e são misturados a farelo de grãos como soja e milho. “Os peixes nativos são pescados em quantidades desmedidas para virarem ração. Hoje, todos os estoques de pescados endêmicos do litoral chileno estão colapsados”, diz Lisbeth.

Na natureza, além de peixes, o salmão se alimenta também de crustáceos, os responsáveis por conferir sua cor tão característica. No cativeiro, a cor é conseguida pela adição de corantes a ração, que podem ser naturais (como cenoura, tomate ou algas) ou sintéticos, como a astaxantina, um derivado do petróleo. Há até uma tabela de tonalidades para que se escolha aquela que o mercado consumidor prefere: brasileiros, por exemplo, gostam de salmão mais alaranjado; japoneses, avermelhado. Se não fossem tingidos por dentro, os salmões chilenos seriam… cinza.

Mas e quanto ao Ômega 3? Depende do tipo de ração que receber: quanto mais variedade de peixes na ração, maior concentração de Ômega 3 e maior destruição das espécies nativas. E as gorduras boas? Salmão de cativeiro possui muito mais gordura saturada (aquela que aumenta os níveis de colesterol) do que insaturada.

Reportagem do jornal britânico The Guardian: “Relatório afirma que poluição, parasitas e taxas de mortalidade de peixes custaram cerca de US$ 50 bilhões globalmente de 2013 a 2019”

O único salmão saudável é o selvagem – e ele está sendo ameaçado pelo salmão de cativeiro. O documentário Salmon Confidential, de 2013, acompanha o colapso da população de salmão selvagem na região da Colúmbia Britânica, no Canadá, por conta da contaminação das águas por antibióticos e parasitas provenientes das fazendas de criação de salmão do entorno: os peixes ficam tão doentes que não conseguem subir o rio para desovar. Uma pesquisa publicada em fevereiro de 2021 pela Simon Fraser University, corrobora a situação ao constatar que a população de salmão selvagem no rio Skeena, também na Columbia Britânica, é 70% menor do que há 100 anos. 

Quando se soma todos os impactos, não há dúvida nenhuma de que o salmão de cativeiro é o alimento mais tóxico do mundo“, diz Kurt Oddekalv, principal ambientalista norueguês que, há décadas, lutava para expor e regulamentar a produção de salmão em seu país.

Em conversa telefônica realizada no primeiro trimestre de 2020, Oddekalv, foi pragmático: “Para piorar, a indústria de salmão ainda destrói muito mais proteína animal do que gera. É insustentável por definição”. O ambientalista, fundador da ONG Green Warriors of Norway, faleceu em janeiro de 2021, aos 63 anos. Seu corpo foi encontrado congelado em um lago de Bergen, cidade na qual morava.

Material sobre criação de salmão chilena redigido por ambientalistas e cientistas da Oceana

Ainda tratando sobre a suposta “saudabilidade” do salmão de cativeiro, vale atentar para estes pontos:
– Até 1/4 de todos os salmões cultivados são o que a indústria chama de “peixes perdedores” ou “desistentes”; esses peixes, embora tecnicamente saudáveis, são lentos, atrofiados e desinteressados por comida. Em 2016, pesquisadores da Oceana examinaram os cérebros dos perdedores e encontraram medidas altíssimas do hormônio do estresse cortisol e descobriram que tinham níveis de serotonina semelhantes aos de mamíferos deprimidos.
– O mesmo estudo apontou que  50% de todos os salmões cultivados no mundo têm ossos da orelha deformados. Essa deformidade, que pode reduzir a acuidade auditiva de um peixe pela metade, é 10 vezes mais comum em salmões domésticos do que em selvagens.
– O salmão jovem de cativeiro frequentemente sofre com espinhas curvadas ou dobradas – o equivalente em peixe à escoliose. Uma série de fatores tem sido responsabilizada pela “síndrome das costas quebradas”, desde luzes artificiais e água aquecida artificialmente – usada para acelerar o crescimento de filhotes em incubadoras –  até deficiências de vitaminas e exposição a toxinas.

Não faltam evidências de que o padrão alimentar atual – e o modo de produção intensivo – da atualidade é insalubre com humanos, animais e meio ambiente. O que comemos molda o mundo: que mundo o seu prato está ajudando a moldar?

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