Passei nove dias em Lisboa. Acabei de chegar. Antes de ir, pedi dicas de onde comer para vários lisboetas conhecidos e para amigos que conhecem Lisboa tão bem quanto as cidades onde moram no Brasil. Vários deles me disseram um nome: Bota Alta. E emendaram: “não espere luxo, mas espere o melhor bacalhau que você comeu na vida”. Diante de tal descrição, óbvio que fui. E depois da primeira garfada do bacalhau mais úmido, macio e saboroso da minha vida, concordei.
Totalmente.
O Bota Alta fica na área mais boêmia de Lisboa, o Bairro Alto. Lá se encontram diversos restaurantes, bares, baladas, fados– é, vamos dizer assim, a Vila Madalena lisboeta. Pois bem, havia feito reserva para as 21h30 e cheguei dez minutos antes– quase não consigo entrar. De tão pequeno e apertado, com mesas muuuuuuito próximas umas das outras, a espera comporta, no máximo, cinco pessoas. De pé. Parada e espremida perto da parede vazada que faz as vezes de adega, minha baba começou a escorrer ao sentir o cheiro dos pratos trazidos da cozinha e assistir um dos garçons fatiando um presunto de porco pata negra. No momento em que achei que partiria pra cima da comida de alguém, minha mesa vagou– era exatamente 21h30.
O couvert trazia pão rústico delicioso— crocante por fora e bem macio e massudo por dentro– azeitonas (onipresentes em Portugal) e o melhor queijo Nisa que comi na minha estada. Este tipo de queijo, feito de leite cru de vaca, ovelha e cabra, tem a casca lavada com pimentão e é bem comum nas mesas de restaurantes de todos os preços. Os novos, caso deste, são absolutamente cremosos e de sabor suave, lembrando um queijo meia-cura brasileiro. Os mais velhos (mais curados), adquirem certa adstringência e sabor mais intenso.
O cardápio, claro, tem vários tipos de bacalhau e outros peixes e frutos do mar (como o Cherne à setubalense, corvina e peixe espada grelhados, calamares com tomates) e uma ótima e concisa seção de carnes com delícias do porte de costeletas defumadas e entrecote à transmontana. Como estava de olho grande do bacalhau assado (14 euros) que havia desfilado no meio do salão durante a minha espera, nem tive dúvida do que pedir. Meu namorado foi de carne de porco à alentejana (11 euros).
My god! A posta de bacalhau era altíssima, absolutamente suculenta, sem nem um tiquinho de sal em excesso e assada com cebola de toque adocicado, batatas, azeitonas e azeite. Até pra mim que não sou apaixonada por bacalhau, estava perfeito, sem invencionices, sem excesso de ingredientes, sem boiar no azeite: apenas um peixe de altíssima qualidade feito da maneira tradicional.
Mas, ó, o porco dele estava… um tesão. Os pequenos pedaços de carne de porco preto são fritos em azeite. Quando prontos, são regados com um caldo de louro, vinho, coentro, alho e vôngoles (ou ameijôas) cozidos nesta mistura. Nossa senhora! O toque terroso e sabor intenso da carne misturado ao marítimo e sutil do vôngole é perfeito. Para acompanhar, batatas fritas e saladinha de repolho parecida com a americana cole slaw.
Já dominados pela comilança (porções enormes, como em toda Lisboa) e pela meia jarra de sangria, não conseguimos encarar duas sobremesas apesar do desfile apunhalador de itens… Dividimos uma divinal encharcada de ovos (4 euros) e fomos embora felizes por termos conhecido um restaurante português frequentado por portugueses– lá, os turistas são a minoria da clientela.
BOTA ALTA: Travessa da Queimada 35/37, Bairro Alto, tel.: 213427959, Lisboa
Comente
Seja bem-vindo, sua opinião é importante. Comentários ofensivos serão reprovados