Acuri, mama-cadela, araticum, cagaita, água-pomba, tarumarana, siputá, manduvi, tucum. Sarrabulho, quebra-torto, pranchão. Não conhecia 90% deles. Tremenda riqueza ignorada pela maioria dos brasileiros, infelizmente.
Ao ver a rapadura de jaracatiá, poucas horas depois da minha chegada a Corumbá, no Mato Grosso do Sul, qual minha surpresa ao descobrir que ela é feita com a “polpa” do arbusto de mesmo nome e que, de novo, nunca havia ouvido falar. E o bolo de farinha de bocaiúva, fruta típica do cerrado e pantanal, que é não só deliciosa, como possui amêndoa rica em proteínas e fibras e palmito adocicado? E as sementes de vitória-régia, que podem ser consumidas, torradas, como amendoim?
Felizmente temos pessoas com a professora/pesquisadora Iria Hiromi Ishii, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, que desenvolve estudo sobre espécies endêmicas (e quase esquecidas da região), tendo publicado um livro precioso, o Sabores do Cerrado e Pantanal, com fotos, informações técnicas e receitas. Tipo de ação necessária e que, supostamente, deveria ter mais apoio do governo. Se isso não é cultura, não sei mais o que é.
Temos um país imenso, diverso em biomas, em espécies vegetais, em cultura. Infelizmente, ainda somos assombrados pela síndrome do vira-lata, o que nos faz valorizar muito mais o que vem de fora. Fechamos os olhos para nossas riquezas porque é ‘brega’, ‘pobre’, ‘cafona’, olhar para nosso quintal.
Cafona é não dar o devido valor ao que é só seu – e o mundo bateria palmas e se deslumbraria. Cafona é comer laranja importada da Espanha, uva do Chile, romã dos Estados Unidos enquanto centenas de frutas, verduras e legumes brasileiros são relegados ao desaparecimento porque não os conhecemos e, sendo assim, não os consumimos nem plantamos.
Foi minha primeira vez no Pantanal. A primeira vez que sobrevoei aquele gigante verde e azul, que comi isca de jacaré na vizinha Bolívia e carne de sol em todas as refeições (a região é tradicionalmente forte em criação de gado). E saí de lá sem provar a maioria das frutas da região porque – pasmem! – ninguém as vende. Quase não há receitas típicas em restaurantes da cidade, mas é fácil encontrar comida italiana, estrogonofe… Não encontrei um bar/restaurante que servisse caipirinha de frutas da região.
A razão de existir do Fegasa – Festival Gastronômico Sabores das Américas – é justamente conscientizar a população e os turistas sobre o tesouro que tem em mãos, levando capacitação para os profissionais de cozinha através de aulas e palestras com chefs do Brasil e da América Latina, promover a interação entre os países vizinhos, cuja cultura e ingredientes se misturam, e incentivar a comida de rua regional.
Em sua terceira edição, o Fegasa – que acontece dentro do Festival América do Sul – ainda é pequeno, porém realizado por pessoas apaixonadas. Pessoas que me mostraram, com orgulho, a simplicidade e beleza de especialidades como o Sarrabulho – feito com fígado, rim e coração de boi, além de azeitonas e vinho tinto, nasceu da necessidade de usar todas as partes do animal -, o Macarrão de comitiva – espaguete frito com carne de sol, alho, cebola e carne seca – e o mate queimado com brasa e açúcar.
Precisamos, antes que seja tarde, conhecer nosso país. Valorizar o que temos de bom. Apesar de nosso turismo ser incipiente, os valores de passagem e estadia absurdos, a infraestrutura quase desanimadora: se não fizermos isso, perderemos um pedaço imenso de história e cultura soterradas em toneladas de hambúrgueres, macarrão com molho de tomate, pão de forma e suco de caixinha.
Se não fizermos isso, perderemos a nós mesmos.
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