Num mundo em que quase tudo que reluz é apenas purpurina, nem sempre é fácil distinguir o discurso marqueteiro de ‘respeito com a cadeia de produção’ do árduo e cotidiano trabalho dedicado a sustentabilidade gastronômica. Falar é fácil – fazer de fato é que são elas…
Por que salões bacanudos, chefs celebridades e a glamourização oca da gastronomia são muito importantes para o mercado, para reality shows, para a publicidade, mas não significam coisa alguma no panorama mais amplo, cruel, realista e nada cool que envolve a comida: a velocidade impressionante com a qual destruímos solo, ar e fontes de água por conta da atual forma de produção de nossos alimentos. Esses cozinheiros só passam a fazer diferença no macrocosmo à partir do momento em que tiram das sombras os produtores, os verdadeiros heróis, e os tornam tema de debate, ponto de questionamento. À partir do momento em que alinham o discurso com a prática – e é sempre bom relembrar que qualquer receita, que renda prêmios ou não, começa no campo.
Ser cozinheiro vai bem além de escolher o corte bovino com mais marmoreio – é saber como aquele boi é criado, o que comeu e como isso afeta a qualidade do bifão, como se processa a marmorização, se a empresa tem boas práticas para com os animais. É visitar a produção, sempre que possível. É ENTENDER, QUESTIONAR. É sacar que boa comida começa, infalivelmente, no campo. Quem não se interessa pelo processo, não dá a mínima para o ofício, para o cliente e nem para a tal cadeia de produção.
Ser um foodie/gourmet/gourmand é muito, muito mais do que distinguir um Chateau Petrus de um Chateau Margaux – é saber que numa garrafa de vinho podem existir mais de 200 aditivos enológicos, pesticidas e agrotóxicos. É ter a noção de que uma uva saudável raramente vem de uma monocultura extensiva. É entender como a terra reage a monoculturas, o que é um solo rico, o que é respeito pela terra e pelo produto. É sacar que bons produtos começam no campo.
Por tudo isso é que me encanto quando encontro pessoas que dedicam a vida a produzir excelentes alimentos da maneira mais limpa e sustentável possível. Pessoas que entendem que somos o que comemos e que a qualidade da nossa vida neste planeta é e será reflexo do modo como produzimos o que comemos. Gente que, geralmente, trabalha quieta, longe das capas de revista e do mundinho gastronômico. Gente que almeja, sim, ter o melhor produto, mas jamais desrespeitando a terra. Gente como Rodrigo Ismael, do Entre Vilas.
Formado em Agronomia, Rodrigo transformou seu belo sítio em São Bento do Sapucaí, na Serra da Mantiqueira, num pequeno paraíso, pelo menos na minha versão de paraíso. Ali, produz seus próprios vinhos naturais – sem nenhum tipo de defensivo nem uso de leveduras selecionadas -, frutas vermelhas orgânicas, castanhas portuguesas, vinagres, compotas, geleias. Produz também potente e fresco azeite, de azeitonas Maria da Fé. Cria truta sem ração entupida de corantes e porcos alimentados com vegetais da sua horta – ambos vão para o menu do restaurante, que funciona dentro da propriedade, somente aos sábados.
Ele também desenvolveu a primeira variedade brasileira de lúpulo, totalmente adaptada ao clima local, usada pela Baden Baden para Dry Hopping (processo no qual é usado fresco, para dar boost no aroma da cerveja).
Associado ao Slow Food, o restaurante do Entre Vilas é um daqueles lugares que fazem bem pra alma. Os almoços – precisa fazer reserva! – começam às 13hs e vão até… o último cliente sair. Eu só fui embora às 17hs, não sem antes andar pela propriedade e conhecer um pouco de seu trabalho. Como nada lá é feito com pressa, então a esqueça no carro, por favor.
O sistema é de menu degustação – com várias opções de pratos do dia- que foca no uso de ingredientes sazonais e regionais como os embutidos de Adriana Lopes, queijo Serra das Antas, entre outros. Por R$ 110/pessoa, come-se couvert, entrada, três pratos e sobremesa. Come-se deliciosamente e com simplicidade (ficaria ainda mais feliz se tivessem mais pratos sem proteína animal). Come-se com frescor, qualidade. Come-se olhando para o campo. Come-se conversando com quem compartilhamos a mesa, já que celulares ali não tem sinal. Come-se como deveríamos comer: envolvendo todos os sentidos, curtindo, com calma.
Conhecer o Entre Vilas é reconectar-se (ou, para muitas pessoas, conectar-se pela primeira vez) com o que faz sentido: natureza, boa comida, pessoas queridas, tempo e respeito por quem produz e transforma nosso alimento.
Para reservas, clique AQUI. Não aceitam cartões.
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