Provavelmente você jamais disse: “Estou com uma vontade ir pras Ilhas Cayman nessas férias!”. Nem você, nem quase nenhum brasileiro. Só conhecemos essa trilogia de ilhas do Caribe – Grand Cayman, Little Cayman, Cayman Brac- por conta dos noticiários de política ou economia que enfatizam a expressão “paraíso fiscal”. É para as Ilhas Cayman que empresários, corruptos de Brasília e endinheirados em geral mandam sua grana, porque o país não cobra nenhum tipo de imposto. Nem sobre imóveis, nem de renda. Nadica.
Porém, você deveria pensar em passar férias nas Ilhas Cayman. Sim, ela tem mais de 600 bancos, mas também praias sensacionais, mar em tons hipnóticos de verde e azul, água transparente e limpíssima, pouca gente, passeios bacanas, grandes restaurantes e impressionantes cartas de vinho em todo o canto, sendo diversas delas premiadas pela Wine Spectator. É um Caribe exclusivo, seguro, gourmet, familiar: baladas, qualquer tipo, são proibidas depois da meia noite, o que atrai poucos jovens bêbados, spring break style, pra lá. E fica somente a uma hora de voo de Miami.
Desde os ingredientes e lugares mais simples — consome-se muita fruta-pão no lugar da batata; lionfish, peixe venonoso que virou uma praga no Caribe por não ter predadores naturais, transforma-se em suculentos ceviches, com sua carne delicada e adocicada; bananas verdes fatiadas e fritas, chamada de plantain, escoltam quase todos os pratos; peixes e frutos do mar FRESCOS em todos os lugares — até fine dinings, a gastronomia é parte bem grande da vida e do comércio local. Todos os meses de Janeiro acontecem dois festivais ligados ao tema, o Taste of Cayman e o Cayman Cookout, organizado pelo premiado chef Eric Ripert, que possui dois restaurantes em Grand Cayman (infelizmente estavam fechados para reforma).
Esse território britânico tem algumas coisas que, pra mim, são muito importantes: calma, turistas em número infinitamente menor que qualquer outro ponto do Caribe, povo multicultural e multinacional (por ser sede de milhares de negócios, os habitantes da ilha vem da Itália, Espanha, Suécia, Brasil, Estados Unidos, Filipinas….) e é segura a ponto de não precisar se preocupar em trancar a porta de casa (quatro moradores me disseram isso) e comida boa. Bem boa.
Por ter que importar quase tudo, os preços são maiores que os de Miami. Bem parecidos com os de São Paulo para fazer uma comparação justa. Mas recebe-se o que se paga: qualidade, sabor, ambientes com decoração extremamente bem cuidada. Claro que todos os lugares tem os “pega-turista”, por isso divido aqui com vocês os cafés e restaurantes que visitei e gostei. Claro que faltaram muitos para conhecer… Já tenho um motivo pra voltar.
ICOA FINE FOODS: o melhor lugar em Grand Cayman para tomar café da manhã e brunch. O misto de loja descolada de artigos para casa, boulangerie, café e restaurante vive lotada de gente de todo canto do mundo. O serviço é meio atrapalhado, mas vale esperar pela incrível French Toast de pecan e Blueberry com mel, banana, morango e chantilly: um petardo calórico macio, saboroso, quente e reconfortante.
Bons também os pães feito na casa, especialmente o de chocolate e o croissant com creme de amêndoas. Se você, como eu, ama ovo, não deixe de pedir o farto e lindo Ovo Beneditino com crisps crocante de bacon e alho poró nem – aliás, muito menos!- o excelente sanduíche de maionese de ovo com bacon crocante. Um dos melhores que já comi.
LUCCA: Restaurante italiano serião, fica dentro de um condomínio de apartamentos de luxo. A adega é de surtar… A cozinha, clássica com influência local, executa muito bem massas, peixes e carnes. Ah, merece ser mencionado: tremendo custo-benefício. Por cerca de R$ 120 por pessoa por entrada, prato principal e sobremesa.
Como entrada, excelente o patê de fígado de vitela que recheia duas camadas de biscoitos caseiros crocantes, entremeados por tomate-cereja, rúcula e geleia de cebola. Entre os principais, me encantou o frescor do Red Snapper na chapa– Snapper é uma família de peixes muito consumida por lá, de carne branca- com crosta de temperos locais, coberto por purê de risoto de limão e acompanhado por uma salada crocante, viva, de aspargos fatiados com amêndoas.
Mais tradicional, o fettuccine com lagosta e camarão e molho picante de tomate que meu amigo pediu era de lamber o prato, assim como o ravióli de massa de abóbora recheado por lagosta e coberto por bisque de lagosta.
Para encerrar, peça o divertido Banana and Bacon Affair. Funciona! Banana grelhada, caramelo e mousse de bacon que evoca somente o defumado da carne, não a gordura. Muito bom.
BLUE CILANTRO: pena que o restaurante tinha pouca luz e as fotos ficaram ruins. Pena, mesmo. Por que o Blue Cilantro é o restaurante que mais curti nas Ilhas Cayman. O chef, o indiano Vidyadhara Shetty, cria receitas sem nacionalidade específica e com um mar de influências, inclusive a indiana, claro. Ele se mudou pra Gran Cayman há 8 anos e, antes disso, ficou 5 anos trabalhando como chef em cruzeiros de luxo. Não é de se estranhar que trabalhe com tanto primor com peixes e frutos do mar. Aproveitei para fazer um dos seus menus-degustação de cinco etapas, harmonizado com vinhos. ao valor de 160 dólares.
Fiquei animada logo no couvert: naans perfeitos, quentes, acompanhados de sensacionais chutneys de manga, maçã e jalapeño. Gisuis, lindamente temperados, cortados, finalizados. Na sequência, belíssimo tartare de atum com espuma cítrica, chip de mandioca, sobre pepino marinado em romã. Na sequência, lindo raviolone de lagosta com crocante de queijo boursim e molho de abóbora com chorizo; camarão gigante assado no tandoor, com coulis de abacate e calda de limão com mel de Cayman; gordo, alto, úmido e perfeito mahi mahi (peixe local) grelhado com crosta de pimentas aromáticas, risoto de cogumelo e molho trufado de milho. O encerramento: quente, fofo, pegajoso e tesudo Molten Chocolate Ginger Cake com sorvete de banana caramelada.
BLACK TRUMPET: café badalado que vale mesmo pelo indecente, pornográfico bolo de chocolate amargo recheado com creme de chocolate amargo misturado a caramelo salgado. PELAMORDEDEUS.
BRASSERIE: o chef Nivel Patel, indiano que mora em Cayman há 6 anos, faz um trabalho e tanto. Não só na cozinha, mas muito antes dela. Ele aplica, de verdade, o conceito do Slow Food de comer local, ajudar os pequenos produtores e nutrir o corpo com os melhores ingredientes. Niven montou, há um ano e meio, uma hora orgânica nos fundos do restaurante. Não uma hortinha, mas uma senhora horta: mais de 25 tipos de legumes, verduras, frutas e temperos estão lá, sendo usados na cozinha.
Vi duas árvores de mini berinjela: de tão grandes, deixaram de ser arbustos há muito tempo… E estavam produzindo legumes lindos, saudáveis. Como a horta não é suficiente para consegue fornecer tudo que a casa precisa, o resto é comprado de produtores locais, também com certificação orgânica.
A preocupação com a procedência dos alimentos é tão grande que o Brasserie tem dois barcos que, duas vezes por semana, vão pra alto-mar e pescam peixes e frutos do mar. Ali, o conceito de posta congelada não existe nem de longe. Tá, ajuda o fato do dono do restaurante ser um milionário apaixonado por pesca… Patel me disse que, vez por outra, ele despacha um jatinho com mais de cem quilos de peixe que ele teve “sorte” de pegar no dia. Quem agradece são os clientes.
Por ficar em uma área empresarial, longe de praia, o Brasserie não entra na maioria dos roteiros turísticos e fecha aos finais de semana.
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