O que você mais procura quando viaja? Experiências extra-sensoriais e inesquecíveis? Momentos vibrantes como fogos de artifício? Eu, quando viajo, quero entender (e, na medida do possível, viver) o dia-a-dia gastronômico de quem mora no local. Isso é o que me move. Restaurantes caros, premiados e badalados podem ser bacanas e trazer informações – técnicas e gustativas – interessantes para minha profissão, mas não são eles que me dizem o que comem, onde frequentam e o que cozinham os habitantes dali. Não são eles que retratam a real e cotidiana gastronomia de uma região.
Por isso sempre faço questão de entrar em contato com alguém que me sirva de GPS, que goste de comer e beber bem e que viva esse lado da sua cidade de forma intensa. Pode ser um blogueiro – caso de Istambul (leia posts aqui) – ou pode ser uma pessoa trazida pelas redes sociais, caso de Paris. Conhecida como @lulu_loulou no Instagram, essa brasileira moradora da capital francesa há 13 anos foi minha guru gastronômica. Nos poucos dias que passei ali, me mostrou lugares que frequenta e, todos eles, me fizeram bem feliz. Um destes endereços foi a Rue des Martyrs.
Assim que você desce no metrô Notre-Dame-de-Lorette começa a jornada de três quarteirões por muito de tudo o que a França pode oferecer de melhor, rico, genuíno: queijos, carnes, azeites, doces, cozinha tradicional e sazonal, geleias, quiches… Metros percorridos à pé em menos de 15 minutos mas que se bem explorados renderiam dias. @lulu_loulou me mostrou um pedaço de sua vida que eu, com entusiasmo, recomendo. Aqui, algumas das paradas da rua que poderia chamar de minha – mas, olha, a rua tem várias outras delícias que não tive tempo de explorar. Por isso, separe boas 5 horas para se jogar por ali.
Première Pression (9, Rue des Martyrs): linda boutique de azeite artesanais de Provence, todos de pequenos produtores. Cada fornecedor tem, ao lado de seus azeites, seu currículo, foto e descrição gustativa do produto. É possível provar todos antes de comprar (as latas de 250 ml giram em torno de 8 euros). Há também alguns cosméticos, como sabonetes e cremes, feitos à base de oliva.
La Cambre aux Confitures (9, Rue des Martyrs): Lise Bienaimé era executiva de uma multinacional de cosméticos. Farta da rotina atribulada, decidiu apostar na sua paixão – geleias artesanais – e se deu muito bem. La Chambre aux Confitures é de provocar surtos histérico-gastronômicos com suas prateleiras intermináveis de geleias produzidas com ingredientes da estação, pouco açúcar, nada de conservantes ou espessantes. São mais de 80 sabores como grapefruit e laranja, morango selvagem e rosas, cereja e menta, pera e gengibre, abacaxi com rum e coco, framboesa e chocolate amargo, pêssego e manjericão, … além de diversos tipos de mel e chutneys (echalota e mel de acácia, cebolas, beaujolais e mirtilo, figo e pimenta sichuan). De pirar o cabeção.
Sébastien Gaudard (22, rue des Martyrs): doceiro de talento reconhecido (e ex- Fauchon), Sébastien Gaudard foi eleito o melhor chef patissier de França em 2012. Comi um tremendo mil folhas (massa de leveza e crocância quase pornográfica) e adoraria ter mais dois estômagos para traçar as dezenas de pequenas jóias adocicadas como baba au rhum, tarte au citron, macarons e Saint-Honoré. Não dá para comer nada dentro da loja, então o negócio é comprar e se babar na rua.
Henry le Roux (24, Rue des Martyrs): famosíssimo por seus caramelos perfeitos, a loja de Henri Le Roux na rue des Martyrs é especializada neles. Beurre Salé (meu preferido), citron vert, piña colada, laranja e gengibre, chá verde, cassis, framboesa negra são apenas algumas das opções.
Terra Corsa (42, Rue des Martyrs): empório e restaurante dedicado os produtos da Córsega. Prove os vinhos – desconhecidos no Brasil -, as cervejas, a tábua de embutidos e queijos e os imperdíveis quiches altos e leves, preparados com bruccio, queijo fresco de ovelha (o de bruccio e menta que provei, olha…). Não perca também a torta de farinha de amêndoas coberta por peras caramelizadas. O menu de almoço (quiche + vinho ou quiche + sobremesa) sai por 24 euros.
Popelini (44, rue des Martyrs): choux (grosseiramente comparando, nossas “carolinas) mais famoso de Paris. Tem de café, baunilha, limão, pistache, chocolate, chocolate ao leite com maracujá e muito mais.
Rose Bakery (46, Rue des Martyrs): pequeno e simples restaurante criado e comandado por um casal franco-britânico, tem pegada mais natural, com uso de ingredientes orgânicos e sazonais, com muitas opções vegetarianas. As pizzinhas individuais, de massa crocante e integral, são muito boas, assim como os ótimos scones (também integrais, amanteigados e quebradiços) acompanhados de geleia caseira de laranja, com pedaços da fruta. Se a fome for muita, no horário de almoço vendem receitas feitas na hora como couscous com queijo de cabra e figos e tortas.
Fromagerie Beillevaire (48, rue de martyrs): mais de 50 tipos de queijos franceses. Precisa explicar mais?
E, virando a esquina… o Le Pantruche
Pequeno bistrô de decoração meio cafona e mesas absolutamente disputadas – reservar é imprescindível -, o Le Pantruche tem menu diário: sua cozinha trabalha apenas com produtos sazonais, o que garante frescor e novidades constantes. Comida deliciosa, ponto de cocção impecável, criatividade com apego à tradição culinárias francesa, preço boníssimo (menu de almoço 34 euros). Fui invadida pela alegria ao provar os aspargos brancos ao molho de manteiga au citron e amêndoas em lascas. Então, quando dei a primeira colherada no aclamado suflê de Grand Marnier com caramelo salgado, quase soltei um palavrão: que leveza surreal. Sério, nuvem de licor de laranja esparramando-se pela língua. Preciso voltar. Mesmo.
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