A Alemanha é um dos países mais verdes do mundo.
A preocupação com a sustentabilidade – produção de bens e alimentos da forma mais limpa para o planeta e para os indivíduos, o que permite a continuidade e longevidade dos processos – não nasceu por acaso e não é de agora: uma nação que enfrentou tantas guerras e teve que se reconstruir, mais de uma vez, notou a importância de cuidar de seus recursos naturais, depender menos de combustíveis fósseis e garantir a saúde da população desde o prato.
Hoje, a Alemanha é a campeã de uso de energia solar e meca de alimentação orgânica. A sustentabilidade está cada vez mais inserida no dia-a-dia da população, desde os milhares de itens no mercado com o selo BIO (equivalente ao nosso orgânico), passando pela diminuição de uso de agrotóxicos em todos setores (as leis estão se tornando mais rígidas) e chegando ao consumidor final atento e exigente.
Minha viagem de 10 dias por cinco cidades alemãs – que se tornará vídeos do meu canal de YouTube, o #PorTrásDaKG, com estreia prevista para maio – foi focada exatamente no assunto que tanto me interessa: como produzir alimentos da maneira mais sustentável possível. Passei por Berlim, Nuremberg, Rüdesheim e pelo pequeno povoado de Schmilka- e foi ele que me mostrou que a força e determinação de uma única pessoa pode mudar uma cidade.
Schmilka (a 1 km da fronteira com a República Tcheca) parece ter saído de um quadro do século XVIII: as montanhas esculpidas por milhões de anos pela água servem de pano de fundo para três ruas pelas quais espalham-se casas de estilo enxaimel, calmamente dispostas à beira do rio Elba. Ali, vivem 100 pessoas (o que pareceu chocante para alguém como eu que vive numa cidade de milhões) que recebem cerca de 20 mil turistas durante primavera e verão: a região é muito procurada por conta de suas trilhas em meio a mata, passeios de bicicleta e canoagem.
Um local com cem pessoas não parece a melhor escolha para um empreendedor, certo? Errado. Erradíssimo. Um sonhador alemão, Hetzir, mudou-se para Schmilka há onze anos a fim de montar o primeiro hotel BIO da região, o Helvetia.
E é aqui que a história começa a ficar boa.
A rede Bio-Hotels conta, hoje, com cerca de 70 estabelecimentos entre Alemanha (33), Austria (21), Suíça (3), Itália (9), Espanha (1) e Grécia (1). Neles, 100% da comida é regional, sazonal, orgânica ou biodinâmica, proveniente de pequenos produtores, com vastas opções vegetarianas. Mas não para aí: xampu, sabonetes, cremes, óleos, etc, são feitos à partir de produtos naturais, sem químicos nocivos; os produtos de limpeza são biodegradáveis; a maior parte da energia usada precisa ser limpa (solar, eólica, etc); móveis, apenas de madeiras de reaproveitamento; decoração com o máximo uso de fibras naturais.
Então, há dez anos, Hetzir fundou o lindo e aconchegante Helvetia, o primeiro bio hotel da Saxônia. Mas ainda faltava algo… Ele decidiu fazer uma horta orgânica de temperos e tomates para abastecer a cozinha: basta sair da recepção do hotel e colher tomilho, alecrim, lavanda, endro.
Mas… continuava faltando algo. Agora, Hetzir desejava fazer os pães do hotel e, para isso, precisava de uma padaria. Porém enfrentava um problemão: não encontrava farinha orgânica. Ele resolveu a questão construindo um moinho de pedra, como antigamente, movido pela água do riacho que corre atrás dele, e começou a produzir farinha para alimentar sua própria padaria. Para tocar ambos os projetos, formou profissionais entre os moradores da cidade.
Mas… continuava faltando algo. Cerveja! Quando falamos de Alemanha, mesmo sem querer, falamos de cerveja. Há um ano, Hetzir renovou uma casa do século XIX, ao lado da padaria, ergueu uma cervejaria profissional, um salão para receber 50 pessoas e, atualmente, produz algumas das melhores cervejas que já tomei – e, claro, orgânicas, não pasteurizadas nem filtradas.
Por conta de Hetzir, Schmilka transformou-se num destino especial. A comunidade engajou-se no conceito de sustentabilidade de forma completa, compreendo na prática que a maneira com a qual produzimos nosso alimento define a forma que usamos solo, água e ar – e que isso define a saúde de nosso corpo e do meio ambiente. Não apenas somos o que comemos, como também vivemos o reflexo direto de COMO produzimos o que comemos.
Schmilka deixou de ser mais uma vila fofa na região de Bad Schandau: ela é a única a oferecer uma experiência de integração real e total entre homem-meio ambiente-comida-saúde.
Hetzir prova que, às vezes, é necessário apenas um homem para mudar uma vila. E que uma vila pode ajudar a melhorar, e muito, o mundo.
E para os céticos, uma lição: ser idealista não é o oposto de ser realizador.
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