Turquia: por dentro da lindíssima e milenar produção de baklava

A linda e dourada baklava de Gaziantep, recém saída do forno

“Comida é cultura”.
A afirmação pode parecer meio vaga para a maioria de nós, especialmente para quem vive em grandes cidades: não há nada de ancestral em morder um hambúrguer na Austrália ou uma bolacha recheada no Rio de Janeiro. Mas basta nos afastarmos um pouco e mudar o olhar para compreendermos como a comida permeia – e em muitos casos, ajuda a moldar – a identidade de regiões e impérios. Basta um foco diferente para que se detecte como nações costuram similaridades através do sabor, de receitas. A baklava é um grande exemplo disso.

Afeganistão, Armênia, Sérvia, Albânia, Bulgária, Grécia, Irã, Israel, Jordânia, Líbano, Síria, Turquia: todos esses países tem a baklava como uma de suas sobremesas tradicionais. A explicação? Todos esses territórios, em algum momento, fizeram parte do Império Otomano. Mesmo com algumas diferenças de preparo, o doce é um elo de ligação entre esses povos.

Baklava do Kunefeci Haci Levent, em Diyarbakır

E para aprender mais sobre essa receita milenar, criada em 8 a.c. pelos assírios, me mandei pra Gaziantep, na Turquia. Gaziantep, distante uma hora e cinquenta de voo de Istambul, não é apenas o lar da edificação mais antiga já erguida pelo homem (doze mil anos!) como também é considerada a Capital da baklava. A cidade de um milhão de habitantes tem cerca de 100 confeitarias especializadas em baklava e responde por 90% da produção do doce vendido em todo o país!

Você deve estar se perguntando: o que raios tem de tão especial na baklava? Eu respondo: tudo.

O PROCESSO

Abertura da massa de baklava, a filo: feita a mão, apenas por homens, ela precisa ter espessura tão fina que se enxerga através dela. Produção do Ayintap Baklava, em Gaziantep

Leva-se doze anos para ser considerado um mestre no ofício. Sim, 12 anos. Os doces, na Turquia, são tradicionalmente feitos por homens e tem status de artesanato. Logo, quem os produz, é um artesão: e quem produz os melhores, carrega o título com imenso orgulho.

Tudo começa com a escolha da farinha certa: a Mesopotâmia, área na qual fica Gaziantep, é o berço do trigo e até hoje tem algumas das melhores farinhas do planeta. A massa filo, base da baklava, também leva ovos e sal. Por conter tão poucos ingredientes, a qualidade da cada um conta muito, assim como o tempo de manuseio e a umidade do local no qual é sovada: um erro em qualquer parte do processo comprometerá a delicadeza do resultado final.

Se vê MESMO através dela… Foto: André Lima de Luca

Depois de incorporados os ingredientes, a massa é gentilmente polvilhada com amido de trigo (para não rasgar) e aberta com rolos, manualmente, em folhas tão finas que se enxerga através delas. Literalmente se enxerga através delas.

Baklavas sendo montadas em formas e recebendo o tradicional recheio de pistache, semolina e leite. Cada forma precisa ter 42 camadas de massa.

Então, as folhas são pinceladas, uma a uma, com manteiga clarificada (nos melhores lugares, proveniente de leite de ovelha) e colocadas em formas para esperar o recheio de semolina, leite e pistache moído.

Depois de prontas, recebem um banho de manteiga clarificada antes de entrarem no forno ou serem cozidas em uma boca de fogão giratória

Apesar de ser comumente recheada com nozes e avelãs em outras partes do mundo, a baklava tradicional de Gaziantep é de pistache: a região é grande produtora e famosa por ser a terra do delicioso, pequeno e lindo pistache rosa.

Pistache rosa de Gaziantep: iguaria regional que serve de base para a baklava da cidade, famosa em toda a Turquia

São 42 camadas de massa filo: nem uma mais, nem uma a menos. Após montada e cortada no formato desejado, a baklava é regada fartamente com mais manteiga clarificada e levada ou ao forno ou a uma boca de fogão giratória: as duas formas de produção são comuns.

Quando pronta, toma um banho de xarope de açúcar

Quando pronta, mais um banho, dessa vez de xarope de açúcar.

Baklava de pistache: patrimônio cultural e uma delícia sem fim. Este é do Ayintap Baklava, em Gaziantep. Foto: André Lima de Luca

Nesse momento, a beleza dourada emerge em toda sua plenitude e crocância. Basta esperar esfriar – coisa difícil! – e morder sem dó nem preocupação alguma com a circunferência da cintura…

CINCIK, KADAYIF BURMA, KATMER:
OUTRAS MARAVILHAS DA DOÇARIA TURCA 

O imperdível Sutlu Nuriye: massa filo recheada com amêndoas e avelãs, regada com leite e açúcar. Típica de Diyarbakır.

A região das cidades de Gaziantep, Sanliurfa e Diyarbakır, que visitei nessa minha última viagem para Turquia, tem forte tradição gastronômica e é riquíssima tanto em pratos salgados (a base de trigo bulgur, cordeiro, coalhada e vegetais) quanto na doçaria. Há amplo uso de massa filo, pistache e xarope de açúcar, porém as variações locais tornam tudo mais interessante.

Katmer: típico de Gaziantep, tem massa preparada com farinha, água e sal e recheio de pistache e nata.

Em Gaziantep, por exemplo, há o Katmer, cuja massa (feita apenas com farinha, água, sal) é recheada com pistache e nata e dobrada em formato retangular. Dos meus favoritos da vida.

Produção de Kadayif – fios de semolina – e de kadayif burma, recheado com pistache. Kunefeci Haci Levent, em Diyarbakır

Já em Diyarbakır, a especialidade é o Sutlu Nuriye. Quaaaase uma baklava, o Sutlu Nuriye tem recheio de amêndoas e avelãs e, depois de retirada do forno, leva banho de leite e açúcar em vez de xarope. Viciante em grau máximo.

Produção de cevizli burma, doce típico de Diyarbakır, de massa filo recheada com amêndoas e avelãs moídos. Kunefeci Haci Levent.

Também muito consumidos são os doces a base de kadayif, fios de massa de semolina que envolvem recheios variados, caso do burmali kadayif (pistache). Digo e repito: quem gosta de comer bem, PRECISA visitar a Turquia. Ô, país delicioso!

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