Há anos desejava voltar à Sicília. Há doze anos para ser mais exata. A última vez em que estive lá havia sido para fazer uma reportagem de capa para a revista Viagem e Turismo, da qual era editora. Visitei a cidade natal dos meus bisavós (Niscemi), me apaixonei por Taormina, fiquei abismada com a beleza do Vale dos Templos em Agrigento – e queria que meu marido também visse tudo isso.
Eis que, mês passado, consegui: ficamos 16 dias rodando a Sicília. E qual minha surpresa em notar que minhas lembranças não faziam jus a essa ilha sensacional, solar, que transpira história: a Sicília está mais organizada, limpa, segura – e continua maravilhosamente barata para comer. Continua maravilhosamente incrível para comer: sardinhas, pistache, frutos do mar, alcaparras, tomates, berinjelas (ah, as berinjelas sicilianas!), pães, doces, queijos, sais, feijões, amaros, marsalas, cervejas, aspargos…
Se você não foi à Sicília, deixou pra trás na sua lista de ‘lugares para conhecer’, ou nunca cogitou ir, eu digo: vá. Logo. A Sicília é a região italiana que menos recebe turistas – e, ao meu ver, é uma das mais sensacionais. Ela tem tudo: comida incrível, beleza natural, história e preços baixos.
Como fiquei alguns dias em cada cidade que escolhi (Palermo, Taormina, Agrigento, Marsala e Erice) – essa é a única forma de sentir os destinos de maneira menos “sou turista” e mais real -, tive tempo de comer e beber em diversos lugares indicados, pesquisados ou apenas ‘passados na frente’. Minhas melhores experiências figurarão numa série de posts. O primeiro é sobre Palermo.
A capital da ilha está pujante, com dezenas de monumentos restaurados, ruas vibrantes, novos bares e restaurantes abrindo a todo instante. Não há sensação de insegurança e a máfia, por ali, perdeu quase toda a força. Confira meu pequeno guia para “comer” Palermo em 11 dicas.
Mercado de rua: Mercato Il Capo
Apesar de todos os guias citarem o Mercado de Ballaró, que se tornou demasiado turístico ao longos dos últimos anos, é no Il Capo que os moradores do Centro Histórico fazem suas compras.
Diversas barracas espalham-se lo longo da rua, vendendo pescados fresquíssimos, frutas e vegetais da estação, nozes, carnes, temperos. Se você se hospedar em um Airbnb, e curtir cozinhar, o Il Capo é O lugar para comprar os ingredientes.
Feirantes berrando, velhinhos com suas sacolas de rodinhas, carrinhos de bebê, motos entre os passantes: o clima é de agradável caos.
Mercado imperdível de produtos sicilianos: Sanlorenzo Mercato
O Mercato San Lorenzo – 10 minutos de carro do Centro Histórico – foi desses lugares que conheci numa pesquisada à toa na internet. E, olha, AINDA BEM que conheci! Espécie de Eataly dedicado apenas a produtos alimentícios sicilianos, todos de pequenos produtores artesanais.
Farinhas e massas de trigos ancestrais (que estão sendo plantados por toda a ilha), alcaparras, sal de Trapani, anchovas, sugo de peixe (molho de tomate com peixe e/ou frutos do mar, beeeem típico da Sicília), vinhos, geleias, chocolates, pasta de nozes e amêndoas, azeites, vegetais, queijos, embutidos. Rotisserie, cantina, bar, cervejaria.
Dá pra passar o dia todo ali, comprando e comendo, comendo e comprando. E, óbvio, enchendo a mala de itens pra trazer pra casa.
Gelato: Caffe’Ruvolo (Via Maqueda, 190)
Nada de casquinha: o negócio na Sicília é gelato no brioche! Ah, como é gostoso o macio e amanteigado do pão sugando as frias gotas do sorvete…
Mas, é bom avisar: não é porque se está na Itália que todo gelato será bom. Fui numa sorveteria suuuuuuper bem avaliada em TripAdvisors da vida – que você pode ver AQUI no meu Instagram – e encontrei uma trolha atolada de corante, conservante e espessante. Para lembrarmos que qualidade não é, obrigatoriamente, sinômino de Europa: há engana trouxa em tudo quanto é canto. Pelo menos aqui lá são obrigados, por lei, a colocar placas com todos os ingredientes. Se fosse assim em São Paulo, metade das “gelaterias artesanais” mostrariam sua verdade cara.
Então encontrei o Caffe Ruvolo e fui feliz: gelato artesanal, sedoso, brilhante. Brioche no ponto exato de manteiga, mega macio. Coma e seja feliz.
Arancini fast: KePalle
Arancino é uma das comidas de rua mais amadas de Palermo: em todo canto você verá biboquinhas e barraquinhas vendendo esse bolinho de risoto frito e recheado com os mais diversos ingredientes: de cogumelos a linguiça, de queijo a salame.
A KePalle, rede de ‘fast food’ dedicada aos arancini, com três unidades em Palermo e uma em Trapani, prova que dá para fazer comida rápida e com qualidade. São mais de quinze opções de recheios que incluem peixe espada com berinjela, camarão e pistache, caciocavallo e anchova, ragu de carne e salame picante com mozzarella. Uma bela refeição por menos de 4 euros!
Comida rápida: Antica Focacceria San Francesco
Para dar aquela pausa no passeio, sentar um bocadinho e comer um bocadão. Fundada em 1825 em Palermo, hoje é uma gigante, com duas unidades na capital siciliana, duas em Roma e duas em Milão. A matriz, contudo, mantém seu charme e, claro, menu amplo de focaccia, fritos e doces.
Ali é, certamente, o lugar mais seguro para provar outra comida de rua típica de Palermo, o Pani ca meusa (ou Pane con la milza) que, em linhas gerais, trata-se de pão recheado com cozido de vísceras bovinas. Também se encontra o pane con pannele, ou pão recheado por uma espécie de polenta feita com farinha de grão bico, salsinha e alho.
Bem bom e bem barato: Bisso Bistrot
A dona do Airbnb no qual me hospedei em Palermo me indicou e, olha, que acerto! O Bisso Bistrot parece ser o restaurante mais bombado da cidade: não importa a hora em que se passe na frente, sempre há fila de, no mínimo, 40 minutos. A razão, eu descobri, é simples: o local de mesas comunitárias, atmosfera divertida e barulhenta e garçons jovens vende EXCELENTE comida a preços quase inacreditáveis, especialmente para uma paulistana.
Come-se, por exemplo, frito de bacalhau por 6 euros. Pasta com trilha (peixe), alcachofras e erva doce selvagem por 7 euros. Polpette de legumes com molho de favas por 6 euros. A massa da foto – prato do dia -, busiatte com molho de tomate e ragu de linguiça, por 5,50 euros.
De chorar de bom – e barato.
Cozinha siciliana moderna e bem feita: Quattro Venti Comfort Food
Numa cidade na qual é tão fácil encontrar estabelecimentos centenários, os novos podem ter uma certa desvantagem na disputa por espaço e predileção dos clientes. Mas novidades podem ser tão interessantes quanto tradição: basta haver talento. Esse é o caso do Quattro Venti, restaurante inaugurado há menos de dois anos numa área bem residencial de Palermo.
O intuito do chef é tratar as receitas tradicionais de maneira contemporânea, homenageando a cozinha siciliana com certa licença autoral. E como deu certo! Meu jantar de aniversário foi ali e tive uma noite incrível. Comemos um tremendo paccheri com brócolis selvagem, vongole Veraci e crocante de Pane Nero di Castelvetrano (13 euros); crocchè de bacalhau, cremoso de ervilha e laranja em calda (10 euros); tuma (queijo típico da Sicília, feito com leite de vaca e cabra) empanado, servido com passata de escarola, mel e pólen desidratado e reconfortante pasta con fagioli badda (tipo local de feijão) e camarão.
Nada turístico, discreto e muito, muito bom.
Restaurantão elegante e delicioso: Osteria Dei Vespri
Elegante. Exclusivo. Alta gastronomia siciliana feita com produtores de procedência. Longa carta de vinhos. Conta mais robusta. Comida espetacular.
A Osteria Vespri é um restaurante para ir com calma, paladar atento, cabeça tranquila. Sente-se no diminutivo salão superior, de preferência à mesa perto da janela, para acompanhar a vida acontecendo na praça. Peça os vermelhos camarões de Mazzara – uma iguaria, conhecida também como gambero rosso – acompanhados por couscous, bisque de camarão e burrata de entrada (28 euros). Como principal, pasta negra recheada com marisco, baby lulas e seu caldo com creme de ouriço e açafrão (R$ 24). E curta muito.
Cervejas artesanais: Birreria ExtraHop
A onda das cervejas artesanais ainda não bateu de jeito na Sicília – o rei são os vinhos, não tem jeito. Mas se há uma cidade para tomar cerveja local boa, essa cidade é Palermo. Na ExtraHop encontra-se rótulos gringos e regionais, tanto em garrafa quanto na pressão.
Turístico, gostoso, caótico e barato: Ferro Di Cavalo
Sim, está em vários guias turísticos.
Sim, tem gringo pra caramba.
Sim, vale ir.
Sim, come-se bem.
Osteria familiar – daquelas que nem comanda tem; o garçom e o cliente tem que lembrar o que pediram na hora de falar pro caixa, o pai dos garçons e do cozinheiro -, a Ferro Di Cavalo é uma agradável bagunça, com comida bem feita e, de novo, barata. Para escolher seu prato, é só olhar pra baixo: o menu faz as vezes de toalha de mesa.
Para facilitar, todos os antepastos custam 4 euros. As massas, 5 euros. Os pratos de carne e peixe, 8 euros.
Cozinha siciliana clássica, insumos de pequenos produtores: Osteria MangiaeBevi
Não sei você, mas amo conhecer a culinária local (se quer me ver brava é sugerir comer hambúrguer na Itália ou pizza na França…). Amo mais ainda ir a restaurantes que prezem por produtos sazonais, de pequenos produtores, majoritariamente orgânicos. Então não haveria como não gostar da Osteria Mangia e Bevi, um agradável e espaçoso restaurante dedicado a culinária siciliana em seu melhor, unindo receitas clássicas a insumos de alta qualidade.
O serviço ali é atento; o ambiente calmo; as porções… fartas, como é em todo canto na Sicília. Prove a gostosa pasta frita – na verdade, tostada no forno -, uma forma dos antigos aproveitarem o macarrão que havia sobrado na refeição anterior. O gasto médio por pessoa, numa refeição completa e com vinho, é de 20 euros.
Para comer com vista para o mar: Calamida
Vista para o cais de iates de Palermo é uma das atrações do Calamida, mas não deveria ser a principal: o restaurante fica, sim, num ponto mega turístico mas não por isso é do tipo pega-turista. A comida ali é, sim, bem boa. Foi lá que comi o melhor espaguete com vôngole da viagem, e olha que comi espaguete ao vongole pacas (e pasta alla norma e Pasta alle sarde…)!
Peça uma taça de vinho branco, recoste-se e curta o tempo passar.
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