Belém é apaixonante, intoxicante, aromática, rica, fértil, pujante. Belém de tantos sabores desconhecidos para nós do Sudeste, que achamos estar no centro do mundo. Belém do Ver-o-Peso, o mercado que reserva maravilhas a cada corredor. Belém do tucupi, das farinhas, da maniçoba, do jambu, do buriti, do uxi, do jenipapo, do bacuri, do cupuaçu, da pupunha, do tucumã, do murici, do taperebá, da surijuba, da piramutaba. Belém do amado açaí. Belém que merecia ser visitada por todos os brasileiros – e que, infelizmente, possui turismo interno diminuto. Belém do Remanso do Bosque, do Portinha, do Lá em Casa, da Cairu. Belém que impregnou em mim.
Passei uma semana na capital do Pará por conta do décimo Festival Gastronômico Ver-o-Peso, idealizado pelo pesquisador e chef Paulo Martins e, hoje, após sua morte, tocado por sua mulher e filhas. O Festival tem como intuito divulgar a magnitude dos ingredientes amazônicos e mostrar aos brasileiros – amantes de gastronomia e chefs – a preciosidade da culinária paraense. Um tremendo e importantíssimo evento que, em 2014, acontecerá em data a ser definida entre final de abril e começo de maio.
Durante estes dias fui apresentada ao lindo, trabalhoso e altamente refinado processo de fabricação do tucupi – item indispensável no dia-a-dia do paraense -, líquido extraído da mandioca brava (ou amarela) e temperado com jambu (erva que provoca dormência na língua), chicória e alfavaca. Comecei a conhecer as dezenas de tipos, texturas e sabores de farinha, como a d’água, feita com mandioca fermentada em água, ou pubada. Provei peixes surrealmente saborosos como o filhote, o tucunaré e o pirarucu.
Vi a potência e o real sabor do açaí fresco, consumido na companhia de peixe frito e farinha (no Ver-o-Peso há dezenas de quiosques que vendem porção pra dois a R$ 13) e, para terminar a refeição, servido com farinha de tapioca, gelo e açúcar. Provei coisas inesquecíveis como a moqueca paraense do Remanso do Bosque – restaurante sensação de Belém, comandado pelos irmãos Thiago e Felipe Castanho- a esfiha de pato, jambu e tucupi do Portinha, o sorvete de bacuri com castanha do pará da sorveteria Cairu, a castanhada (doce parecido com cocada porém feito com castanha do Pará crua, gema e açúcar) do Lá em Casa, o filhote grelhado servido com tucupi, jambú e pirão do Saudosa Maloca, na Ilha do Combú.
A tristeza foi notar como sabemos tão pouco sobre nosso próprio país e ignoramos centenas de ingredientes nacionais em detrimento de itens insípidos que viajam meio mundo até parar na gôndola dos supermercados de Rio, São Paulo, Brasília. Meus dias em Belém me fizeram ver que ainda somos um país de cidadãos que usam seu dinheiro para passar férias comendo em Paris ou Nova York, por que acham “chique”, mas ignoram absolutamente as maravilhas da gastronomia do estado ao lado do seu. Ainda somos tão colonizados…
Espero que isso mude. Espero que voar para o Norte fique mais barato do que ir a Miami… Espero que pato no tucupi seja tão “luxuoso” como boeuf bourguignon e que o Queijo de Marajó seja encarado com o mesmo respeito do Grana Padano. Porque se tem algo do qual é possível se orgulhar nesse país de tantos desapontamentos é da nossa gastronomia. Chefs de diversos países já sabem disso – e, tremenda ironia – precisamos que eles nos contassem para começar a prestar atenção.
Espero que Belém entre, de vez, na rota de quem gosta de comer bem. Espero, antes de tudo, que consigamos aprender que é na tradição e na simplicidade que reside nossa alma. É nas ruas, nos mercados e nas feiras que brilha a cultura de um povo evivem todas as estrelas de que precisamos para criar nossa identidade gastronômica. Por que sem história, não passaremos de um pobre reflexo da cultura alheia.
Está na hora de pararmos com essa babaquice de nos gabar de comer foie gras e termos vergonha de gostar de farinha.
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