Começo de junho, época de cerejas, amoras, framboesas, mirtilos, groselhas e gooseberries na Alemanha. As barracas do Mercado de Friburgo – que acontece diariamente em frente à lindíssima Catedral, construída ao longo de mais de um século, à partir de 1200 – brilhavam em tons de vermelho, roxo, laranja. Doces, lindas, impecáveis. Tentadoras.
Por toda parte, maços e buquês de flores e plantas de cores vivas, típicas da primavera. Alguns passos a mais e lá estavam elas, as ervas. Seus aromas se confundiam no ar e criavam algo novo, inédito, inebriante. Ao lado, o garoto que produzia vinagres artesanais com uvas da região – pródiga em ótimos vinhos – e os envelhecia em madeira com frutas, nozes, temperos.
O que dizer do senhor da barraca de especiarias de todo o mundo? Ou da área dedicada aos artesãos da gastronomia, de todos os cantos da Europa, à expor seus queijos, embutidos, pães, doces, compotas? O Mercado de Friburgo é sensacional. Poderia passar uma semana ali, visitando-o todos os dias pela manhã, e sempre encontraria algo novo.
É possível percorrer todo o centro histórico de Friburgo a pé, caminhando sem pressa. A cidade considerada a mais verde da Europa – não só por estar aos pés da Floresta Negra mas também por ser o epicentro de estudos ambientais e de tecnologias de energia sustentável – também é uma das mais bonitas e seguras. Não bastasse isso, tem um biergarten deslumbrante, o Greiffenegg Schlössle, com uma vista da cidade e da Floresta Negra de abobalhar qualquer um…
E é caminhando que se conhece a mais sensacional loja de mel que já vi, se prova um cheesecake matador, se toma esplêndidos vinhos da região de Baden e se almoça observando a torre da Catedral. Eu fiz tudo isso numa tarde. Sem apressar o passo.
Depois de uma volta pelo mercado despertar uma vontade monstruosa de sair comprando tudo pela frente, me enfiar numa cozinha e preparar dezenas de receitas, fomos ao Cafe Strass. Dizem alguns que ali está o melhor cheesecake da Alemanha.
Não se deixe enganar pela aparência “nada a ver” do lugar – prateleiras com bijuterias expostas, nenhum lugar pra sentar, espaço minúsculo – porque, olha, que cheesecake! O doceiro responsável por ele não abre a receita de jeito nenhum, mas dá para sacar que o queijo usado é de extrema qualidade: só assim para se obter aquele resultado cremosíssimo. Calda? Quem precisa!? A qualidade do café do Strauss faz par perfeito com o cheesecake, especialmente o cappuccino servido em copo alto.
De estômago feliz, seguimos para a Honig Galerie, a única loja do país a oferecer dezenas de tipos de mel e produtos confeccionados com ele. De bolos à bebidas alcoólicas, de velas a cremes para o rosto. A proprietária deu uma aula daquelas sobre o tema e pela primeira vez provei o “mel de pinheiro”.
Tudo começa com pequenos insetos moradores dos pinheiros da Floresta Negra que se alimentam da seiva da planta. Então, eles secretam uma espécie de bola açucarada que é coletada pelas abelhas e transformada em mel. O resultado é um produto mais denso, muito menos doce que o tradicional, extremamente aromático e de sabor herbal.
Próxima parada: Alte Wache. A bela loja é 100% dedicada aos vinhos da região de Baden que, até então, sinceramente não havia ouvido falar, muito menos provado. A área tem tradição vinícola fortíssima, tanto que é difícil encontrar locais tomando cerveja nos restaurantes. As uvas mais recorrentes são Pinot Gris, Pinot Blanc e Pinot Blanc mas há, de dez anos para cá, bons tintos baseados em Pinot Noir.
Apesar de não ser a estrela da região, ali me apaixonei perdidamente por um Chardonnay – o da foto – e aprendi que vinhos doces, que odeio, podem ser muito mais complexos, equilibrados e profundos do que pensei. Excelentes rótulos. Vale muito fazer uma degustação guiada pela proprietária (chiquérrima), Mrs. Higle.
Falando no assunto, pegue um trem e vá até Ihringen: ali pertinho fica a Staatsweingut Freiburg, linda vinícola estatal (sim, estatal) voltada para pesquisa enológica e desenvolvimento de técnicas ecológicas/sustentáveis nos vinhedos (sim, estatal que funciona como centro de pesquisa e escola).
Na Alemanha e em diversos outros países europeus, o crescimento da procura por vinhos orgânicos e biodinâmicos vem aumentando exponencialmente, por isso a necessidade de aprimorar técnicas. Ali é possível provar diversos rótulos – não perca o espumante da foto – e fazer um tour pela produção.
Voltando ao centro histórico de Friburgo: depois da bebelança, o almoço rolou em novo e belo restaurante, o Skajo, contruído na cobertura do prédio mais alto nos arredores, com visão privilegiada da Catedral e da Floresta Negra. O menu traz especialidades regionais com tratamento moderno, caso do Maultaschen, espécie de ravioli recheado com carne defumada, espinafre, cebola e noz moscada, que ganha a companhia de belas fatias de bacon crocante e salada verde.
A menos de 70km de Friburgo fica a fronteira com a Suíça e a cidade de Basel (em português, Basileia), cortada pelo Reno. O rio passa pelo meio da cidade e é tão limpo que serve de via para alguns moradores, durante o verão, irem ao trabalho. E não falo de barco…
Funciona assim: coloca-se a roupa dentro de um saco redondo de plástico, que funciona como bóia. Daí é só deixar o corpo ser levado pela correnteza, que vai em direção ao centro, chegar no destino, abrir o saco, secar-se com a toalha, colocar a roupa e ir trabalhar.
Sério, eu vi essa rotina, dezenas de vezes, enquanto relaxava às margens do Reno. Ao meu lado, um casal de namorados tomava sol. Na minha frente, um pato nadava e desviava dos caiaques. Isso tudo NO MEIO DA CIDADE. Para quem tem Rio Pinheiros e Tietê, parece ficção científica – ainda mais sabendo que a poluição das indústrias químicas praticamente haviam matado este mesmo pedaço de rio há menos de 30 anos…
Tendo poucas horas lá, como eu tive, recomendo:
– provar o Choky S, doce típico de Basel (parece um suspiro de chocolate recheado por um tipo de mousse; lembra macaron) na Confiserie Schiesser, fundada em 1807
– Comer um, dois, três ou dez doce de sementes de papoula cozidas no leite com uvas passas sobre massa fina e amanteigada, Mohndessert, no Bio Andreas Holzofenbäckerei & Eisstein. Ah, também devorar o crocante biscoito de nozes com toque de Amaretto e ignorar os pães pesadões.
– Tomar umas cervejas artesanais e comer cozido de carne na cerveja com spätzli no terraço do Ueli Bar, cervejaria bem da charmosa;
– Caminhar pelas ruelas calmas mas segurar o cartão de crédito: tudo na Suíça é muuuuuito mais caro do que na Alemanha.
– E, acima de tudo, esperar pelo pôr-do-sol na companhia do grande e belo Reno. É lindo e gratuito.
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